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sábado, março 29, 2008

Zed's dead, baby. Zed's dead.


Pulp Fiction, Tempo de Violência
Pulp Fiction, 1994, EUA
Dirigido por: Quentin Tarantino
Escrito por: Quentin Tarantino e Roger Avary
Fotografia de: Andrzej Sekula
Elenco: John Travolta, Uma Thurman, Samuel L. Jackson, Bruce Willis, Maria de Medeiros, Harvey Keitel, Ving Rhames, Rosanna Arquette, Eric Stoltz, Tim Roth, Amanda Plummer e Christopher Walken.
Prêmios e Indicações: Vencedor da Palma d’Ouro no Festival de Cannes; Melhor Roteiro Original para Quentin Tarantino e Roger Avary, Indicado a Melhor Filme, Melhor Diretor para Quentin Tarantino, Melhor Ator Principal para John Travolta, Melhor Atriz Principal para Uma Thurman, Melhor Ator Coadjuvante para Samuel L. Jackson e Melhor Edição para Sally Menke no Oscar; Escolhido como 95º Grande Filme na lista dos 100 Grandes Filmes do Instituto de Filmes Americanos em 1998.

Colorido, 158 minutos, Inglês.

Estamos em 2008, mais de uma dúzia de anos se passaram desde que Pulp Fiction estreou nos cinemas do mundo, e mesmo assim continua novo e diferente. Irretocável como todo grande clássico deve ser. O jovem diretor, Quentin Tarantino, na época com 31 anos, já tinha em sua bagagem a direção visceral e teatralizada de Cães de Aluguel, o roteiro de Amor a Queima Roupa (True Romance, 1994) de Tony Scott e a estória de Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, 1993) de Oliver Stone, ou seja, já não era um total desconhecido e dessa forma, talvez, o seu pequeno filme sobre submundo de Los Angeles não deveria provocar o estrondo que provocou. Mas provocou... Esse barulho ainda pode ser ouvido hoje em dia.

Muita gente, incluindo críticos de cinema, que assistiu seu penúltimo filme Kill Bill (que só foi dividido em dois pra dar mais grana a Miramax) achou que a história de vingança não combinava com o estilo realista do diretor e que não estava à altura dos premiadíssimos Pulp Fiction e Cães de Aluguel, que a saga da noiva Beatrix Kiddo era mais uma prova que o talento de Tarantino era fogo de palha. Cabe salientar que a grande maioria dos críticos de cinema, principalmente no nosso país, não assiste filmes de kung-fu, muito menos de samurai, não sabe patavina sobre histórias em quadrinhos (que dirá da exclusividade do tímido alter-ego do Super-Homem ou ainda o significado de um pôster do Surfista Prateado assinado por um tal de Jack Kirby) e acredita que western spaghetti é uma cópia piorada dos bangue-bangues americanos feita na Itália. Para eles, Sergio Leone só teve valor em Era Uma Vez na América.

Falar de Pulp Fiction, é falar de qualquer filme realizado por Tarantino, é falar sobre um garoto que apesar de não ter tido a formação acadêmica para tal é um mestre na arte de fazer cinema. E como esse menino conseguiu esse dom? Fácil! Assistindo as séries de TV, filmes e mais filmes durante toda sua vida e enquanto trabalhava como balconista de uma vídeo locadora. Ele é um cinéfilo assumido, como eu ou como você. Devoto assumido da Nouvelle Vague, sua produtora de filmes se chama A Band Apart a propósito, talvez a frase que melhor defina Tarantino e seu estilo singular é aquela que foi proferida por outro grande artista do século 20: “Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”.

Pablo Picasso disse isso. Tarantino segue isso em todos os seus filmes, desde Cães de Aluguel até Kill Bill Vol. 2. Seus filmes são riquíssimos em referências, citações e até cópias puras de textos e cenas que beiram ao plágio de outras obras do cinema e da cultura pop mundial. Foram infinitas vezes que ele se auto-referenciou, mais uma característica herdada do movimento francês. Pulp Fiction não é diferente, há referências a Cães de Aluguel, Assassinos por Natureza, Amor a Queima a Roupa, e até a Kill Bill, ou vice-versa. Sou só eu ou há muitas semelhanças entre o Fox Force Five e o Deadly Viper Assassination Squad?

Algumas cenas se tornaram clássicas imediatamente, como a discussão sobre a razão de um Quarteirão com Queijo se chamar Royale na França ou ainda a cena da dança, referência clara a Bande à Part de Jean-Luc Godard onde John Travolta dança a batusi, inventada por Adam West na série Batman em 1966, com Uma Thurman. Bem como a “passagem da Bíblia” lida por Samuel L. Jackson, que na verdade vem do filme de kung-fu Karate Kiba com Sonny Chiba.

Quando Tarantino explodiu, muitos o comparavam com outro jovem que mudou o cinema: Orson Welles. Guardadas as devidas proporções, realmente há uma certa semelhança entre os dois. Ambos realizam tomadas longas sem cortes, utilizam narrativa não linear levada ao extremo, invariavelmente levando a um filme circular, cujo final encontra o começo e vice-versa. Como Welles, Tarantino se fez sozinho. Fez o roteiro que queria, com os atores que queria e imprimiu a direção que queria. Claro que Welles foi mais revolucionário e talvez mais cineasta. Mas Tarantino é mais roteirista que Welles. Os roteiros de Tarantino são o que o fazem tão peculiar.

E não é pela estrutura de seus roteiros, nem pelos temas apresentados. São os diálogos que o tornam tão diferente de tudo que existe. Só em um filme de Tarantino, uma massagem nos pés pode ser tornar uma profunda análise do comportamento sexual masculino, bem como o motivo de todo suspense de um filme. Nos textos dele, as pessoas falam como se estivessem fora de um filme, no dia a dia. Ninguém discute o que vai fazer nas próximas horas, ninguém expõe o plot, os temas são puramente jogados, como uma conversa trivial sobre as diferenças entre a Europa e os EUA.

A história de Pulp Fiction é formada por 4 pequenos contos intercadeados que narram dois dias de um grupo de pessoas que vivem em torno de um chefão do submundo do crime de Los Angeles, Marsellus Wallace. O nome do filme, horrivelmente versionado no Brasil como “Tempo de Violência”, diz pouco do plot em si. Obviamente remete aos pulps dos anos 20 e 30, romances de preço barato e papel de baixa qualidade que dominavam o mercado literário norte-americano. Mas apesar de violento, Pulp Fiction não mostra nenhuma cena sanguinolenta. Também não encontramos heróis ou vilões no filme. Esse grupo de pessoas acaba passando por uma série de experiências incríveis e as encaram como se fosse mais um dia rotineiro.

Tim Roth e Amanda Plummer fazem um casal de namorados que resolvem assaltar um restaurante, assim como que para viver tal experiência, sem planejamento nenhum. E acabam se deparando com dois assassinos vividos por John Travolta e Samuel L. Jackson, que também acabaram de viver uma experiência esdrúxula em que durante uma discussão filosófica sobre a possibilidade de milagres matam um informante, logo após de terem recuperado uma mística mala do patrão. Que pediu a um deles para levar sua esposa, vivida por Uma Thurman para jantar. Na noite do jantar ela vive uma experiência de quasi-morte após cheirar heroína. Ainda nessa mistura toda há a história do boxeador também contratado do chefão, vivido por Bruce Willis, cujo pai lhe deixou um relógio de ouro. Esses eventos sem sentido são intercalados de forma magnífica pelo roteiro vencedor do Oscar.

Diferente da grande maioria dos filmes de gangsteres, Pulp Fiction não é vivido em Nova Iorque, e sim em Los Angeles, e isso traz uma cor totalmente nova para esse tipo de trama. A trilha musical do filme também mexe com a vivacidade do filme, composta apenas por várias canções marginais da contra-cultura dos 60 e 70, de gêneros como soul, rock and roll, e principalmente surf rock, colaborando para um ar relaxado e colorido para o filme, condizente com as locações e a vivacidade dos personagens.

A influência de Pulp Fiction na indústria do cinema foi tremenda. Basicamente um filme independente, feito fora dos grandes estúdios de Hollywood, ele se tornou uma espécie de Guerra nas Estrelas dos anos 90 para o mercado indie. Iniciado em 1992, com o arrebatador El Mariachi de Robet Rodriguez, filmado com apenas US$ 7,000, o movimento do cinema independente teria em Pulp Fiction seu maior representante de sucesso. Arrematando primeiro o gosto dos críticos europeus para depois conquistar o grande público, mostrou o caminho a ser trilhado. O filme estreou em maio de 1994 em Cannes e ganhou o maior prêmio do festival: a Palma d’Ouro, só em outubro debutou em circuito de cinema nos EUA. Caminho similar porém mais modesto também foi traçado por O Balconista (Clerks, 1994) de Kevin Smith, feito com apenas US$ 27,575 e que também levou dois prêmios na mesma edição do festival de Cannes.

Nos anos seguintes vários filmes tentariam repetir o sucesso do roteiro não-linear de Pulp Fiction, truque escasso nos anos 80 e no início dos 90, mas utilizado de forma inteligente em filmes como Amnésia (Memento, 2000) de Christopher Nolan, Irresistivel Paixão (Out of Sight, 1998) de Steven Soderbergh e Os Suspeitos (The Usual Suspects, 1995) de Bryan Singer. Outros filmes, como Contrato de Risco (2 Days in the Valley, 1996) de John Herzfeld e Coisas Para Fazer em Denver Quando Você Está Morto (Things to Do in Denver When You're Dead, 1995) de Gary Fleder, não teriam tanto êxito.

Com seu roteiro não-linear, Tarantino ganhou o Oscar com Pulp Fiction e partiu para novos desafios. Apesar de não obter o mesmo sucesso nem de crítica e nem de público, em todos seus filmes posteriores, ele mostrou ter estilo próprio e único. As histórias não-lineares, personagens pós-modernos, diálogo incansável, violência estilizada e referências por toda parte se tornaram sua marca registrada.


quinta-feira, março 02, 2006

Louis, I think this is the beginning of a beautiful friendship.


Casablanca
Casablanca, 1942, EUA

Dirigido por: Michael Curtiz

Escrito por: Julius J. e Philip G. Epstein e Howard Koch baseado na peça "Everybody Comes To Rick's" de Murray Burnett e Joan Alison
Fotografia de: Arthur Edeson
Música por: Max Steiner
Elenco: Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Paul Henreid, Claude Rains, Conrad Veidt, Sydney Greenstreet, Peter Lorre, Dooley Wilson e S. Z. "Cuddles" Skall.

Prêmios e Indicações: Melhor Filme, Melhor Diretor para Michael Curtiz, Melhor Roteiro para Julius J. e Philip G. Epstein, Indicado a Melhor Ator Principal para Humphrey Bogart, Melhor Atriz Principal para Ingrid Bergman, Melhor Ator Coadjuvante para Claude Rains, Melhor Edição para Owen Marks e Melhor Música para Max Steiner no Oscar; Escolhido para o Registro Nacional de Filmes pela Junta Nacional de Preservação de Filmes (EUA) em 1989. Escolhido como 2º Grande Filme na lista dos 100 Grandes Filmes do Instituto de Filmes Americanos em 1998.

Preto e Branco, 102 minutos, Inglês com diálogos em Francês e Alemão.

A primeira vez que assisti a Guerra Nas Estrelas (Star Wars, 1977) de George Lucas, eu devia ter entre 7 e 8 anos e foi um dos primeiros filmes que assisti no vídeo cassete novo que meu pai tinha acabado de comprar. Devo ter ficado umas 18 horas na frente da TV, pois vi o filme umas cinco vezes durante o tempo que a fita ficou em casa. Detalhe: como o aparelho era importado, assisti a fita numa versão monocromática verde! Mas isso não vem ao caso. A cena que mais me chamou atenção na época foi aquela da Cantina em Mos Eisley. Quando Obi-Wan Kenobi, Luke Skywalker, R2-D2 e C-3PO entram naquele antro de vícios e negócios escusos, uma galeria de figuras grotescas, engraçadas e até familiares nos são apresentadas. Aquilo fazia muito sentido pra mim. Mesmo há muito tempo atrás numa galáxia muito distante, todos tipos e raças iam àquele lugar. Aquilo era um porto espacial e o velho Jedi havia nos informado que a mais perigosa escória poderia ser encontrada lá. O mesmo acontecia em Casablanca no Marrocos Francês da Segunda Grande Guerra, todo mundo ia ao Rick's.

Obviamente que o jovem George Lucas faz uma referência ao clássico dos clássicos em sua saga intergalática. Mas eu só fui saber disso quando assisti a Casablanca, numa versão colorizada, durante minha adolescência. Quando se é jovem, perde-se muito tempo assistindo filmes de aventura e ação, quando deveriámos ser apresentados aos clássicos. E claro que as referências da saga Guerra nas Estrelas a Casablanca não terminam ai. Muito do que aparece em O Império Contra-Ataca (The Empire Strikes Back, 1980) de Irwin Kershner foi baseado nas cenas dos nazistas que visitam a terra controlada pelo Capitão Louis Renault (Claude Rains). As semelhanças entre o Amerícain Café de Rick e a Cantina de Mos Esley terminam por ai. O primeiro é muito mais romântico e cheio de charme. Talvez pela presença de Humphrey Bogart no papel de Rick, em contra ponto ao taciturno Han Solo de Harrison Ford. Na alma, nas dúvidas e na convicção desse personagem está a força de Casablanca.

O filme começa mostrando o mundo dos anos 40 e suas fronteiras criadas pela guerra. A Europa dividida pelos nazistas e a tortuosa jornada dos refugiados através da França dominada, cruzando o Mediterrâneo até Casablanca em busca de um avião para Lisboa, onde se pode pegar um navio para o novo mundo. Esse não é o destino de Rick, talvez tenha sido um dia, mas algo no seu passado o amargurou e o fez ficar pelo caminho. Algo tão triste quanto forte, tirou desse americano, sua vontade de viver, sua paixão pelo mundo. Ao lado de seu amigo Sam (Dooley Wilson), pianista e cantor, ele mantêm o principal ponto de entretenimento da cidade.

No Café, destinos e vidas se cruzam, muitos refugiados encontram a sorte na roleta do salão de jogos ou em negócios e acordos com aproveitadores. Nada que chame a atenção de Rick, nada que o desperte para os problemas individuais ou os desesperos que o conflito mundial trouxe a vida dessas pessoas. Na mesma face da moeda temos o Louis, chefe de polícia da cidade, apesar de seu senso de humor impecável, ele não passa de um cínico sedutor que se aproveita de todas as oportunidades possíveis que seu cargo o presenteia e tira o maior proveito pessoal disso. Da mesma forma que Rick, nada recupera seu patriotismo, algo que costuma ser inseparável da personalidade francesa, obviamente ele mantêm sua própria resistência as ordens do Führer, mas nada além do que a simples incompetência típica de um funcionário público.

Do outro lado da moeda temos Victor Lazlo (Paul Henreid), um apaixonado sonhador, líder da resistência na Chzecoslováquia e fugitivo por todo continente europeu. Quando ele chega a cidade em busca de um par de salvo-condutos que o permita entrar no avião para Lisboa, sua cabeça já está a prêmio. Ao lado ele traz a mulher mais bonita que já esteve em Casablanca, Ilsa Lund interpretada por Ingrid Bergman. Ah... Ingrid Bergman. Só de pronunciar seu nome os pequenos pêlos na minha nuca se arrepiam. Quando ela encontra Sam e pede que ele toque "As Time Goes By" cantarolando-a, meu coração dispara. Seu olhar obliquo e dissimulado, sua voz embargada, tudo conspira contra a sensatez. Tenho que respirar fundo para não cair em lágrimas, assim como faz Rick quando a vê pela primeira vez depois de tanto tempo.

Está feita a trama. Cabe a Rick decidir o que fazer, ajudar seu antigo amor a fugir com seu marido e assim desistir dela novamente e ajudar a causa contra os nazistas ou pensar em si mesmo como tem feito desde que a perdeu. O que vale mais? O amor de uma vida ou a causa de milhões de pessoas? No mundo real é comum vermos pessoas sacrificar causas maiores por motivos pessoais. Mas as vezes o destino fala mais alto e cabe a nos escolher entre nós e o algo maior. A beleza dessa escolha faz a qualidade desse filme. E o mais incrível de tudo isso é que nem a Warner Brothers, nem o diretor do filme, Michael Curtiz e muito menos os atores sabiam até o último instante qual seria a decisão de Rick.

Duas possibilidades tinham sido planejadas para a cena do embarque no avião. E o roteiro para essa cena foi escrito durante a filmagem com os atores vestidos em seus papéis e esperando no set. A verdade que a Warner Brothers nunca acreditou que esse filme teria alguma importância e que seria um grande sucesso, era apenas mais um bom filme de Hollywood. Mas a ressonância que os temas e situações levantadas no enredo provoca no público é tão forte e profunda que quando o dilema se define e Rick faz a escolha mais difícil, tudo faz sentido e se encaixa. O simples destino de um homem e uma mulher pode interferir no destino do mundo. Provando que a vida continua sendo aquela velha história: uma luta por amor e glória.

Tecnicamente, Casablanca se destaca por algumas inovações primorosas. O cenário construído por Carl Jules Weyl foi desenvolvido para permitir uma nova tomada diferente a cada cena permitindo um fotografia ágil e belíssima. Todas as paredes do Café eram móveis, algo que nunca foi tentado novamente em virtude de sua complexidade. A trilha sonora composto por Max Steiner é deliciosa, cheia de clássicos das Big Bands americanas, incluindo a canção tema. Apesar de interpretar todas as canções em que aparece cantando no filme, o ator Dooley Wilson não sabia tocar piano e fingia que tocava enquanto gravações feitas por Elliot Carpenter eram tocadas no set. Casablanca também é um dos primeiros filmes de Hollywood a mostrar um elenco sem vilões e mocinhos idealizados, ninguém é totalmente mal ou totalmente bom nesse filme. Além disso, o roteiro ainda apresenta um mundo complexo com personagens secundários com motivações muito fortes cruzando o caminho dos personagens principais, algo que nunca se tinha visto antes num filme de um grande estúdio. Outra característica única desse filme, é que a cada vez que você o assiste novamente algo novo e mais forte pode ser encontrado, a história acha força em si mesma.

As interpretações são soberbas, dos quatro personagens principais aos demais, não tanto pela qualidade dos atores, mas por uma "fraqueza" do próprio roteiro que para ganhar força se apoiou as personalidades dos personagens nas dos atores. Por exemplo, quando Yvonne, a namorada de Rick chora durante o duelo de hinos, a cena escrita não pedia isso, mas a atriz francesa Madeleine LeBeau que havia sentido as mesmas agruras de um refugiado durante sua fuga da Europa se emocionou de verdade ao cantar La Marselhesa que acabou chorando. Ingrid Bergman reclamou várias vezes durante as filmagens que ela não sabia quem sua personagem deveria amar, quando perguntou ao diretor o que ela deveria fazer, ele a aconselhou a ficar no muro, sua dúvida deu a sua performance uma naturalidade extraordinária. O mesmo aconteceu com Humphrey Bogart, que sempre foi um individualista, tanto que é dele a frase de Rick: "Não arrisco meu pescoço por ninguém."

Casablanca é sem a menor sombra de dúvida, o maior clássico do cinema americano. O crítico americano Roger Ebert, o chama de "O Filme". Eu costumo dizer sempre que todo filme com alguma pretensão quer ser como Casablanca. Todos querem ter o sucesso de público e a ressonância histórica de Casablanca. Mais antes de tudo, todos devem aprender a alcançar a simplicidade de Casablanca e assim atingir o fundo da alma do público, que nesse filme se espelha na triste história de amor de Ilsa e Rick.

Escrito em 3/12/2001 para o site omelete.com.br, publicado em março de 2005 no site cineminha.com.br.




農夫は勝った。ない私達。

Os Sete Samurais
Shichinin no Samurai, 1954, Japão

Dirigido por: Akira Kurosawa
Escrito por: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto e Hideo Oguni
Fotografia de: Asakazu Nakai
Música por: Fumio Hayasaka

Elenco: Toshiro Mifune, Takashi Shimura, Keiko Tsushima, Yukiko Shimazaki, Kamatari Fujiwara, Daisuke Kato, Isao Kimura, Minoru Chiaki, Seiji Miyaguchi, Yoshio Kosugi, Bokuzen Hidari e Yoshio Inaba

Prêmios e Indicações: Ganhador do Leão de Prata e Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, Indicado a Melhor Filme e Melhores Atores Estrangeiros (Toshiro Mifune e Takashi Shimura) pela Academia Britânica, Indicado a Melhor Direção de Arte e Figurino no Oscar.

Preto e Branco, 207 minutos, Japonês

No Japão feudal do século 16, uma vila de fazendeiros está desesperada com os inúmeros saques e ataques que sofre, perpetrados por um grupo insidioso de bandidos. Cansados e famintos, os agricultores decidem contratar um grupo de guerreiros para defende-los. A primeira vista, o mero espectador consideraria esse filme, mais um filme de ação onde um grupo de homens devem superar suas diferenças para atingir a glória final. Quase acertou, se não tivesse sido esse filme o pioneiro nesse tipo de película. De Armageddon (Armageddon, 1998) de Michael Bay a Os Doze Condenados (The Dirty Dozen, 1967) de Robert Aldrich, incluindo a animação da Pixar, Vida de Inseto (A Bug's Life, 1998) de John Lasseter, todos são remakes desse clássico.

Certa vez, o diretor Akira Kurosawa disse: "Os filmes japoneses costumam ser leves no sabor, como chá verde sobre o arroz". Obviamente que ele não concordava com isso, além de estar provocando o diretor Yasujiro Ozu, seu desafeto, que já tinha dirigido um filme com esse nome. Com sua rebeldia característica decidiu que deveria superar a tradição e dar um gosto forte, como wasabi, a arte de fazer cinema na terra do Sol nascente.

Os Sete Samurais é a essência dessa vontade de Kurosawa, do desejo de superar e suprimir a tradição e os desígnios da sociedade para defender seu ideário particular. Esse é um filme pessoal, que expõe o desgosto do diretor com a maneira como os egos individuais são massacrados para o bem da pluralidade. Antes desse filme, Kurosawa tinha feito filmes que mostravam as virtudes do trabalho de equipe, do conformismo, da paciência e da humildade, característicos dos valores nipônicos. A partir de Os Sete Samurais, o diretor decide expor a fragilidade dessa formação e glorificar heróis rebeldes, não conformistas e incompreendidos, que desejam com toda força romper suas obrigações sociais.

Desde os tempos feudais até o final da Segunda Grande Guerra, a sociedade japonesa foi marcada por uma perseverança quase masoquista em manter as complexas obrigações sociais a despeito das vontades pessoais. Esse filme mostra bem como funciona isso, ao apresentar três grupos de pessoas que representam exatas três castas da sociedade japonesa da época: fazendeiros, samurais e bandidos. Todos eles dispostos a manter seus papéis na complicada pirâmide de classes. Não existe praticamente maneira alguma de um integrante de uma dessas castas mudar para outra, e muito menos um indivíduo quer isso. Os indivíduos são representados pelas funções e tarefas que sua posição na sociedade representa. E isso é explicado excepcionalmente por várias sub-tramas intricadas no enredo geral do filme. Os fazendeiros temem que suas filhas sejam seduzidas pelos bravos guerreiros por exemplo. E os bandidos mesmo depois de várias derrotas continuem tentando realizar seu trabalho, assim como os samurais, que mesmo contratados apenas em troca de comida e abrigo, arriscam suas as vidas pelos fazendeiros que os odeiam tanto. E por que? Pela aventura? Pela emoção? Não. Simplesmente pois aquilo é o que eles são e aquilo é o que se espera deles.

Kurosawa desejando demonstrar a tristeza desse comportamento apresenta durante o filme, dois personagens cruciais, dois dos samurais. Kambei, o mais velho e líder do grupo que ganha a afeição do público logo na primeira cena. Interpretado de forma calma e sensata por Takashi Shimura, ele representa o Japão conformista e os valores que formaram a sociedade, que apesar de todo sucesso necessita de uma chama para brilhar. Esse fogo é grandiosamente mostrado por Toshiro Mifune interpretando o rebelde samurai Kikuchyo, que com seu temperamento impulsivo e aparecido rouba o filme. Kikuchyo tem a maior espada, balançando-a sobre os ombros como uma espingarda, e se mostra sempre impaciente com a calma típica de seus parceiros. Na performance de Mifune, a maior estrela do cinema japonês de todos os tempos, está a alma do filme e sua capacidade singela de brincar com a seriedade dos temas expostos. O filme é tão inteligente que é capaz de brincar com si mesmo.

Conhecido pelo suas longas tomadas de ação, Kurosawa mostra do que é capaz nas cenas de lutas e batalhas nesse filme. Fica fácil entender por que George Lucas sempre o menciona seus filmes, principalmente Fortaleza Escondida (Kakushi Toride no San-Akunin, 1958) como sua maior inspiração para Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977). A cena da batalha final entre samurais e bandidos, filmada toda durante uma tempestade e com inúmeros extras e cavalos, é de cair o queixo: cinema puro. Você fica imaginando como o diretor conseguiu aquela coreografia magistral numa cena tão complexa e há mais de 40 anos.

O filme possui quase 4 horas de duração, mas em nenhum momento é cansativo e tedioso, muito pelo contrário, com sua narração tranquila mantêm as surpresas e o interesse do espectador facilmente. Sua característica típica: a composição, é demonstrada a toda hora, principalmente nas cenas onde os fazendeiros enfrentam os bandidos. Os Sete Samurais é excessivamente forte e violento em muitas de suas cenas, mas não é sobre violência e sua glorificação, mas sobre a participação dos indivíduos numa sociedade.

Esse filme de Akira Kurosawa é o que fez mais sucesso no Ocidente e particularmente nos EUA, influenciando diretamente outros pequenos clássicos, como Sete Homens e Um Destino (The Seven Magnificient, 1960) de John Sturges, e indiretamente um legião de filmes. O diretor é provavelmente o mais "ocidental" de todo Oriente, e sempre se disse influenciado por Orson Welles e John Ford. No decorrer do filme, o público ocidental costuma buscar um herói para torcer no filme, mas percebe ao final que não há heróis nem vilões nessa história, como na vida real, apenas homens que tentam ser eles mesmos.


Publicado originalmente na coluna Rosebud para o site omelete.com.br em 23/10/2001.