sexta-feira, março 25, 2016

Zack Snyder introduz o universo DC no cinema



Zack Snyder introduz o universo DC no cinema

Estréia essa semana a continuação do filme O Homem de Aço de 2013. No primeiro Zack Snyder e o David S. Goyer, diretor e roteirista, apresentaram o novo Super-Homem num filme com sua origem na roupagem de um verdadeiro filme de ficção científica, que discute o velho dilema entre inato e adquirido. Seria o Homem de Aço humano por conta de sua criação por Jonathan e Martha ou kryptoniano por ter sido concebido por Jor-El e Lara. No novo filme, Snyder e seus roteiristas Goyer e Chris Terrio não perdem tempo em transformar a grande luta dos heróis principais numa discussão sobre como o poder corrompe, tanto homens como deuses.

O filme introduz um novo Batman, com direito a uma releitura de sua origem e seus dramas interiores. O Homem Morcego há muito deixou de ser um vigilante de Gotham e focou em sua vida civil de filantropo, milionário e CEO das empresas Wayne. Mas os eventos do filme anterior, principalmente a destruição e a matança provocada pela luta entre Zod e Super-Homem, fazem a verdadeira identidade de Bruce Wayne retornar.

Enquanto narra a volta do Cavaleiro das Trevas, Snyder também mostra como Metropolis e o mundo passou a lidar com a onipresença, a onipotência e a benevolência do Homem de Aço, dois anos se passam e a vida dos personagens prosseguiram. Clark, Lois e Perry continuam seus trabalhos no Planeta Diário. Lex Luthor aproveitou os eventos em Gotham para tornar mais presente sua marca e influência na Cidade do Amanhã.

Henry Cavill, Amy Adams, Lawrence Fishburne, Diane Lane retornam aos papéis que fizeram no primeiro filme. Cavill está mais solto no papel do herói, mas parece mais confortável nas poucas cenas que tem como Clark Kent. Fishburne tem mais tempo pra desempenhar a importância no seu papel de editor, e parece saber muito mais sobre os desdobramentos da trama que os demais personagens. É interessante a dinâmica entre chefe e empregado no modo como Clark se relaciona com Perry, em reflexo de como Bruce interage com o Alfred, interpretado pelo talentoso Jeremy Irons, bem melhor do que as versões prévias do mordomo, especialmente melhor que Michael Caine. A surpresa do elenco é a vivacidade e inteligência emocional empregada por Jesse Eisenberger no papel do milionário vilão Lex Luthor. Claro que o trabalho anterior dele em A Rede Social de David Fincher ajuda na concepção de um gênio do mal crível para nosso mundo atual.

Visualmente o filme lembra muito todos os filmes de Snyder, a fotografia, o uso de câmera lenta em excesso, cenas de lutas perfeitamente coreografadas, a intercalação do foco das lentes do que está em primeiro plano e do que está no fundo. É uma continuação digna e superior de O Homem de Aço, música, cenários, vestuário e tom sombrio remete ao realismo soturno que Snyder empregou no filme do kryptoniano. Os temas e a narrativa evoluiu um pouco, na tentativa de abranger um mundo mais complexo. A DC/Warner claramente decidiu que seu novo universo cinematográfico será mais sério, dramático e realista, diametralmente distante da leveza e do humor dos filmes produzidos pela concorrência Marvel/Disney, especialmente os últimos Homem Formiga e Avengers 2: A Era de Ultron. Inclua nisso também o filme Deadpool, de humor displicente e auto-crítico produzido pela Fox. Que mais lembra uma paródia adolescente do que um filme de heróis.

As influências dos quadrinhos no filme são óbvias e até gritantes. Talvez isso seja um problema para o grande público. Mas pra quem conhece e gosta, é um prato cheio. Snyder bebeu muito do período entre 1986 e 1996 do universo DC, a famosa Era de Ferro da editora. Da mesma forma que ele fez em 300, tem-se referências visuais diretas dos painéis desenhados por Frank Miller na seminal minissérie O Cavaleiro das Trevas de 1986, as cenas de lutas entre os dois personagens principais é uma homenagem pura e simples do quarto capítulo da lendária obra. A coreografia da luta parece retirada dos layouts desenhados por Miller e finalizados por Klaus Janson. O arco de histórias publicado nas quatro revistas do Super-Homem, entre 1992 e 1993. A Morte do Super-Homem, concebida pela grupo liderado por Mike Carlin e formado por Dan Jurgens, Brett Breeding, Jerry Ordway, Roger Stern, Louise Simonson, Tom Grummett e Jackson Guice, também é referenciada largamente nas cenas que o monstro Doomsday é finalmente revelado.

Outra grande referencia é a obra-prima de Elliot S! Maggin, Curt Swan e Murphy Anderson, "Must There be a Superman?" publicada em Superman #247 de janeiro de 1972. Essa história da Era de Bronze explica por que a humanidade não pode ter alguém resolvendo todos seus problemas.

Claro que há surpresas e diferenças entre o filme e o que foi originalmente criado nos quadrinhos. Não daria pra comprimir 3/4 de século de cronologia dos Melhores do Mundo em 2 horas e 33 minutos. Snyder tentou. E talvez esse seja o maior erro. O filme tem uma estrutura fracionada, pois tenta mastigar mais do que deveria. Há muitas cenas soltas que simplesmente existem pra chamar os próximos filmes da Liga da Justiça e o grande vilão que irá protagonizar esses longas. Para o público comum essas cenas não fazem sentido, apenas confundem e atrapalham o ritmo e fuidez da história principal.

Além de Cavaleiro das Trevas e A Morte do Super-Homem, a minissérie Homem de Aço de John Byrne continua a ser fonte de inspiração para esse mundo. Mas Snyder, Goyer e Terrio também demonstram conhecimento do universo pré-Crise. O Lex Luthor desse filme é CEO da LexCorp, como criado por Byrne e Marv Wolfman, mas também o jovem cientista louco dos gibis do Superboy na Era de Prata. Ele não tem medo e nem vergonha de sujar as mãos, e se deliciar com tudo isso, quando necessário. Mas apesar do vilão ser o condutor da trama, das reviravoltas, e do MacGuffin do filme, cabe às personagens femininas as cenas mais emocionantes e a resolução dos maiores conflitos. Diane Lane continua forte e pragmática no papel de Martha Kent. Gal Gadot rouba praticamente todas as cenas de ação em que aparece e mostra como foi acertada sua escolha como Mulher Maravilha.

A personagem central do filme na verdade é a atrevida e impetuosa Lois Lane, com pouco tempo de tela, Amy Adams consegue trazer humanisno e sensibilidade à personagem feminina mais importante de todo universo DC. Lois continua teimosa, explosiva, e irrestivelmente intrometida, como ela sempre foi. Desde que Adams a interpretou em O Homem de Aço, a repórter do Planeta Diário ganhou contornos mais tridimensionais. Encontra-se uma personagem que não está mais preocupada apenas com um furo de matéria, nem em revelar a identidade secreta do Super-Homem, ou casar com ele, nem mesmo disputar uma pauta com seu colega, muito menos ser a donzela em perigo esperando pelo príncipe encantado. Ela é uma mulher madura do século 21, profissional, independente, resolvida e apaixonada. Capaz de proteger sua vida pessoal e seu amado companheiro, mais do que ele próprio acha que é necessário. Essa Lois Lane ama tanto Clark Kent como o Super-Homem, mas não é ingênua em acreditar que é possível ser uma simples namorada de um super-herói.

Ela é a chave para tudo nesse filme e nos próximos filmes da Liga da Justiça. Quando Jerry Siegel sonhou o Super-Homem no verão de 1933 em Cleveland, antes mesmo de seu amigo Joe Shuster o desenhar pela primeira vez, Jerry o fez para impressionar uma garota com quem estudava no Glennville High School. Na mente do garoto de 17 anos se ele tivesse poderes sobrehumanos embaixo da sua aparência comum, nerd e pacata, talvez a jovem Lois Amster reparasse nele. Talvez ele seria especial. Assim Siegel colocou todas as características que ele mais admirava nas mulheres do cinema e da ficção nessa jornalista que criava e coube a Joe traduzir a imagem da imaginação deles em forma física no papel. A musa inspiradora foi Jolan Kovacs, uma jovem modelo. Seu nome profissional era Joanne Carter, e ela ficaria conhecida na história anos depois como Joanne Siegel, eterna companheira de Jerry. 

Lois Lane é a razão da existência do Super-Homem, a única personagem dos quadrinhos de super-heróis que existe desde Action Comics #1, e assim sendo Snyder, Goyer e Terrio mostram que fizeram a lição de casa e tiveram ajuda de Geoff Johns. produtor executivo, chefe criativo da DC e escritor de inúmeros gibis. A eterna namorada do Homem do Amanhã é o coração e a âncora emocional do filme, e é dela a cena emocionalmente mais forte.

O próprio título e a campanha promocional leva acreditar que teremos um grande confronto, a Warner tenta vender a grande batalha entre os dois heróis, pois só assim o grande público será fisgado. Emocionalmente não é mostrado um conflito entre os dois mas uma reafirmação das suas semelhanças morais. É apresentado o nascimento do respeito mútuo e da amizade entre Bruce e Clark, a fundação da Liga da Justiça, a introdução de novas ameaças e novos personagens que a massa não conhece. Desse ponto de vista, a narrativa é confusa para esse público que não está acostumado com terras paralelas, Tubos de Explosão, Caixas-Mães, parademônios, e sonhos premonitórios. Já os fãs, os leitores frequentes se deliciarão com a montanha de novos elementos introduzidos e na promessa do que será o novo universo DC nos cinemas.

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Fabio Marques, 23/4/2016
super-homem.com