sábado, março 29, 2008

Zed's dead, baby. Zed's dead.


Pulp Fiction, Tempo de Violência
Pulp Fiction, 1994, EUA
Dirigido por: Quentin Tarantino
Escrito por: Quentin Tarantino e Roger Avary
Fotografia de: Andrzej Sekula
Elenco: John Travolta, Uma Thurman, Samuel L. Jackson, Bruce Willis, Maria de Medeiros, Harvey Keitel, Ving Rhames, Rosanna Arquette, Eric Stoltz, Tim Roth, Amanda Plummer e Christopher Walken.
Prêmios e Indicações: Vencedor da Palma d’Ouro no Festival de Cannes; Melhor Roteiro Original para Quentin Tarantino e Roger Avary, Indicado a Melhor Filme, Melhor Diretor para Quentin Tarantino, Melhor Ator Principal para John Travolta, Melhor Atriz Principal para Uma Thurman, Melhor Ator Coadjuvante para Samuel L. Jackson e Melhor Edição para Sally Menke no Oscar; Escolhido como 95º Grande Filme na lista dos 100 Grandes Filmes do Instituto de Filmes Americanos em 1998.

Colorido, 158 minutos, Inglês.

Estamos em 2008, mais de uma dúzia de anos se passaram desde que Pulp Fiction estreou nos cinemas do mundo, e mesmo assim continua novo e diferente. Irretocável como todo grande clássico deve ser. O jovem diretor, Quentin Tarantino, na época com 31 anos, já tinha em sua bagagem a direção visceral e teatralizada de Cães de Aluguel, o roteiro de Amor a Queima Roupa (True Romance, 1994) de Tony Scott e a estória de Assassinos por Natureza (Natural Born Killers, 1993) de Oliver Stone, ou seja, já não era um total desconhecido e dessa forma, talvez, o seu pequeno filme sobre submundo de Los Angeles não deveria provocar o estrondo que provocou. Mas provocou... Esse barulho ainda pode ser ouvido hoje em dia.

Muita gente, incluindo críticos de cinema, que assistiu seu penúltimo filme Kill Bill (que só foi dividido em dois pra dar mais grana a Miramax) achou que a história de vingança não combinava com o estilo realista do diretor e que não estava à altura dos premiadíssimos Pulp Fiction e Cães de Aluguel, que a saga da noiva Beatrix Kiddo era mais uma prova que o talento de Tarantino era fogo de palha. Cabe salientar que a grande maioria dos críticos de cinema, principalmente no nosso país, não assiste filmes de kung-fu, muito menos de samurai, não sabe patavina sobre histórias em quadrinhos (que dirá da exclusividade do tímido alter-ego do Super-Homem ou ainda o significado de um pôster do Surfista Prateado assinado por um tal de Jack Kirby) e acredita que western spaghetti é uma cópia piorada dos bangue-bangues americanos feita na Itália. Para eles, Sergio Leone só teve valor em Era Uma Vez na América.

Falar de Pulp Fiction, é falar de qualquer filme realizado por Tarantino, é falar sobre um garoto que apesar de não ter tido a formação acadêmica para tal é um mestre na arte de fazer cinema. E como esse menino conseguiu esse dom? Fácil! Assistindo as séries de TV, filmes e mais filmes durante toda sua vida e enquanto trabalhava como balconista de uma vídeo locadora. Ele é um cinéfilo assumido, como eu ou como você. Devoto assumido da Nouvelle Vague, sua produtora de filmes se chama A Band Apart a propósito, talvez a frase que melhor defina Tarantino e seu estilo singular é aquela que foi proferida por outro grande artista do século 20: “Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”.

Pablo Picasso disse isso. Tarantino segue isso em todos os seus filmes, desde Cães de Aluguel até Kill Bill Vol. 2. Seus filmes são riquíssimos em referências, citações e até cópias puras de textos e cenas que beiram ao plágio de outras obras do cinema e da cultura pop mundial. Foram infinitas vezes que ele se auto-referenciou, mais uma característica herdada do movimento francês. Pulp Fiction não é diferente, há referências a Cães de Aluguel, Assassinos por Natureza, Amor a Queima a Roupa, e até a Kill Bill, ou vice-versa. Sou só eu ou há muitas semelhanças entre o Fox Force Five e o Deadly Viper Assassination Squad?

Algumas cenas se tornaram clássicas imediatamente, como a discussão sobre a razão de um Quarteirão com Queijo se chamar Royale na França ou ainda a cena da dança, referência clara a Bande à Part de Jean-Luc Godard onde John Travolta dança a batusi, inventada por Adam West na série Batman em 1966, com Uma Thurman. Bem como a “passagem da Bíblia” lida por Samuel L. Jackson, que na verdade vem do filme de kung-fu Karate Kiba com Sonny Chiba.

Quando Tarantino explodiu, muitos o comparavam com outro jovem que mudou o cinema: Orson Welles. Guardadas as devidas proporções, realmente há uma certa semelhança entre os dois. Ambos realizam tomadas longas sem cortes, utilizam narrativa não linear levada ao extremo, invariavelmente levando a um filme circular, cujo final encontra o começo e vice-versa. Como Welles, Tarantino se fez sozinho. Fez o roteiro que queria, com os atores que queria e imprimiu a direção que queria. Claro que Welles foi mais revolucionário e talvez mais cineasta. Mas Tarantino é mais roteirista que Welles. Os roteiros de Tarantino são o que o fazem tão peculiar.

E não é pela estrutura de seus roteiros, nem pelos temas apresentados. São os diálogos que o tornam tão diferente de tudo que existe. Só em um filme de Tarantino, uma massagem nos pés pode ser tornar uma profunda análise do comportamento sexual masculino, bem como o motivo de todo suspense de um filme. Nos textos dele, as pessoas falam como se estivessem fora de um filme, no dia a dia. Ninguém discute o que vai fazer nas próximas horas, ninguém expõe o plot, os temas são puramente jogados, como uma conversa trivial sobre as diferenças entre a Europa e os EUA.

A história de Pulp Fiction é formada por 4 pequenos contos intercadeados que narram dois dias de um grupo de pessoas que vivem em torno de um chefão do submundo do crime de Los Angeles, Marsellus Wallace. O nome do filme, horrivelmente versionado no Brasil como “Tempo de Violência”, diz pouco do plot em si. Obviamente remete aos pulps dos anos 20 e 30, romances de preço barato e papel de baixa qualidade que dominavam o mercado literário norte-americano. Mas apesar de violento, Pulp Fiction não mostra nenhuma cena sanguinolenta. Também não encontramos heróis ou vilões no filme. Esse grupo de pessoas acaba passando por uma série de experiências incríveis e as encaram como se fosse mais um dia rotineiro.

Tim Roth e Amanda Plummer fazem um casal de namorados que resolvem assaltar um restaurante, assim como que para viver tal experiência, sem planejamento nenhum. E acabam se deparando com dois assassinos vividos por John Travolta e Samuel L. Jackson, que também acabaram de viver uma experiência esdrúxula em que durante uma discussão filosófica sobre a possibilidade de milagres matam um informante, logo após de terem recuperado uma mística mala do patrão. Que pediu a um deles para levar sua esposa, vivida por Uma Thurman para jantar. Na noite do jantar ela vive uma experiência de quasi-morte após cheirar heroína. Ainda nessa mistura toda há a história do boxeador também contratado do chefão, vivido por Bruce Willis, cujo pai lhe deixou um relógio de ouro. Esses eventos sem sentido são intercalados de forma magnífica pelo roteiro vencedor do Oscar.

Diferente da grande maioria dos filmes de gangsteres, Pulp Fiction não é vivido em Nova Iorque, e sim em Los Angeles, e isso traz uma cor totalmente nova para esse tipo de trama. A trilha musical do filme também mexe com a vivacidade do filme, composta apenas por várias canções marginais da contra-cultura dos 60 e 70, de gêneros como soul, rock and roll, e principalmente surf rock, colaborando para um ar relaxado e colorido para o filme, condizente com as locações e a vivacidade dos personagens.

A influência de Pulp Fiction na indústria do cinema foi tremenda. Basicamente um filme independente, feito fora dos grandes estúdios de Hollywood, ele se tornou uma espécie de Guerra nas Estrelas dos anos 90 para o mercado indie. Iniciado em 1992, com o arrebatador El Mariachi de Robet Rodriguez, filmado com apenas US$ 7,000, o movimento do cinema independente teria em Pulp Fiction seu maior representante de sucesso. Arrematando primeiro o gosto dos críticos europeus para depois conquistar o grande público, mostrou o caminho a ser trilhado. O filme estreou em maio de 1994 em Cannes e ganhou o maior prêmio do festival: a Palma d’Ouro, só em outubro debutou em circuito de cinema nos EUA. Caminho similar porém mais modesto também foi traçado por O Balconista (Clerks, 1994) de Kevin Smith, feito com apenas US$ 27,575 e que também levou dois prêmios na mesma edição do festival de Cannes.

Nos anos seguintes vários filmes tentariam repetir o sucesso do roteiro não-linear de Pulp Fiction, truque escasso nos anos 80 e no início dos 90, mas utilizado de forma inteligente em filmes como Amnésia (Memento, 2000) de Christopher Nolan, Irresistivel Paixão (Out of Sight, 1998) de Steven Soderbergh e Os Suspeitos (The Usual Suspects, 1995) de Bryan Singer. Outros filmes, como Contrato de Risco (2 Days in the Valley, 1996) de John Herzfeld e Coisas Para Fazer em Denver Quando Você Está Morto (Things to Do in Denver When You're Dead, 1995) de Gary Fleder, não teriam tanto êxito.

Com seu roteiro não-linear, Tarantino ganhou o Oscar com Pulp Fiction e partiu para novos desafios. Apesar de não obter o mesmo sucesso nem de crítica e nem de público, em todos seus filmes posteriores, ele mostrou ter estilo próprio e único. As histórias não-lineares, personagens pós-modernos, diálogo incansável, violência estilizada e referências por toda parte se tornaram sua marca registrada.