quinta-feira, março 02, 2006

農夫は勝った。ない私達。

Os Sete Samurais
Shichinin no Samurai, 1954, Japão

Dirigido por: Akira Kurosawa
Escrito por: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto e Hideo Oguni
Fotografia de: Asakazu Nakai
Música por: Fumio Hayasaka

Elenco: Toshiro Mifune, Takashi Shimura, Keiko Tsushima, Yukiko Shimazaki, Kamatari Fujiwara, Daisuke Kato, Isao Kimura, Minoru Chiaki, Seiji Miyaguchi, Yoshio Kosugi, Bokuzen Hidari e Yoshio Inaba

Prêmios e Indicações: Ganhador do Leão de Prata e Indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, Indicado a Melhor Filme e Melhores Atores Estrangeiros (Toshiro Mifune e Takashi Shimura) pela Academia Britânica, Indicado a Melhor Direção de Arte e Figurino no Oscar.

Preto e Branco, 207 minutos, Japonês

No Japão feudal do século 16, uma vila de fazendeiros está desesperada com os inúmeros saques e ataques que sofre, perpetrados por um grupo insidioso de bandidos. Cansados e famintos, os agricultores decidem contratar um grupo de guerreiros para defende-los. A primeira vista, o mero espectador consideraria esse filme, mais um filme de ação onde um grupo de homens devem superar suas diferenças para atingir a glória final. Quase acertou, se não tivesse sido esse filme o pioneiro nesse tipo de película. De Armageddon (Armageddon, 1998) de Michael Bay a Os Doze Condenados (The Dirty Dozen, 1967) de Robert Aldrich, incluindo a animação da Pixar, Vida de Inseto (A Bug's Life, 1998) de John Lasseter, todos são remakes desse clássico.

Certa vez, o diretor Akira Kurosawa disse: "Os filmes japoneses costumam ser leves no sabor, como chá verde sobre o arroz". Obviamente que ele não concordava com isso, além de estar provocando o diretor Yasujiro Ozu, seu desafeto, que já tinha dirigido um filme com esse nome. Com sua rebeldia característica decidiu que deveria superar a tradição e dar um gosto forte, como wasabi, a arte de fazer cinema na terra do Sol nascente.

Os Sete Samurais é a essência dessa vontade de Kurosawa, do desejo de superar e suprimir a tradição e os desígnios da sociedade para defender seu ideário particular. Esse é um filme pessoal, que expõe o desgosto do diretor com a maneira como os egos individuais são massacrados para o bem da pluralidade. Antes desse filme, Kurosawa tinha feito filmes que mostravam as virtudes do trabalho de equipe, do conformismo, da paciência e da humildade, característicos dos valores nipônicos. A partir de Os Sete Samurais, o diretor decide expor a fragilidade dessa formação e glorificar heróis rebeldes, não conformistas e incompreendidos, que desejam com toda força romper suas obrigações sociais.

Desde os tempos feudais até o final da Segunda Grande Guerra, a sociedade japonesa foi marcada por uma perseverança quase masoquista em manter as complexas obrigações sociais a despeito das vontades pessoais. Esse filme mostra bem como funciona isso, ao apresentar três grupos de pessoas que representam exatas três castas da sociedade japonesa da época: fazendeiros, samurais e bandidos. Todos eles dispostos a manter seus papéis na complicada pirâmide de classes. Não existe praticamente maneira alguma de um integrante de uma dessas castas mudar para outra, e muito menos um indivíduo quer isso. Os indivíduos são representados pelas funções e tarefas que sua posição na sociedade representa. E isso é explicado excepcionalmente por várias sub-tramas intricadas no enredo geral do filme. Os fazendeiros temem que suas filhas sejam seduzidas pelos bravos guerreiros por exemplo. E os bandidos mesmo depois de várias derrotas continuem tentando realizar seu trabalho, assim como os samurais, que mesmo contratados apenas em troca de comida e abrigo, arriscam suas as vidas pelos fazendeiros que os odeiam tanto. E por que? Pela aventura? Pela emoção? Não. Simplesmente pois aquilo é o que eles são e aquilo é o que se espera deles.

Kurosawa desejando demonstrar a tristeza desse comportamento apresenta durante o filme, dois personagens cruciais, dois dos samurais. Kambei, o mais velho e líder do grupo que ganha a afeição do público logo na primeira cena. Interpretado de forma calma e sensata por Takashi Shimura, ele representa o Japão conformista e os valores que formaram a sociedade, que apesar de todo sucesso necessita de uma chama para brilhar. Esse fogo é grandiosamente mostrado por Toshiro Mifune interpretando o rebelde samurai Kikuchyo, que com seu temperamento impulsivo e aparecido rouba o filme. Kikuchyo tem a maior espada, balançando-a sobre os ombros como uma espingarda, e se mostra sempre impaciente com a calma típica de seus parceiros. Na performance de Mifune, a maior estrela do cinema japonês de todos os tempos, está a alma do filme e sua capacidade singela de brincar com a seriedade dos temas expostos. O filme é tão inteligente que é capaz de brincar com si mesmo.

Conhecido pelo suas longas tomadas de ação, Kurosawa mostra do que é capaz nas cenas de lutas e batalhas nesse filme. Fica fácil entender por que George Lucas sempre o menciona seus filmes, principalmente Fortaleza Escondida (Kakushi Toride no San-Akunin, 1958) como sua maior inspiração para Guerra nas Estrelas (Star Wars, 1977). A cena da batalha final entre samurais e bandidos, filmada toda durante uma tempestade e com inúmeros extras e cavalos, é de cair o queixo: cinema puro. Você fica imaginando como o diretor conseguiu aquela coreografia magistral numa cena tão complexa e há mais de 40 anos.

O filme possui quase 4 horas de duração, mas em nenhum momento é cansativo e tedioso, muito pelo contrário, com sua narração tranquila mantêm as surpresas e o interesse do espectador facilmente. Sua característica típica: a composição, é demonstrada a toda hora, principalmente nas cenas onde os fazendeiros enfrentam os bandidos. Os Sete Samurais é excessivamente forte e violento em muitas de suas cenas, mas não é sobre violência e sua glorificação, mas sobre a participação dos indivíduos numa sociedade.

Esse filme de Akira Kurosawa é o que fez mais sucesso no Ocidente e particularmente nos EUA, influenciando diretamente outros pequenos clássicos, como Sete Homens e Um Destino (The Seven Magnificient, 1960) de John Sturges, e indiretamente um legião de filmes. O diretor é provavelmente o mais "ocidental" de todo Oriente, e sempre se disse influenciado por Orson Welles e John Ford. No decorrer do filme, o público ocidental costuma buscar um herói para torcer no filme, mas percebe ao final que não há heróis nem vilões nessa história, como na vida real, apenas homens que tentam ser eles mesmos.


Publicado originalmente na coluna Rosebud para o site omelete.com.br em 23/10/2001.

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