quarta-feira, julho 09, 2025

Super-Homem de James Gunn: Um Herói para os Tempos de Hoje



Super-Homem de James Gunn: Um Herói para os Tempos de Hoje


Aos 87 anos, o Super-Homem continua tão vivo, atual, relevante e necessário como sempre foi. A nova versão cinematográfica do ícone midiático criado por Jerry Siegel e Joe Shuster durante a Grande Depressão chega às telas pelas mãos do roteirista e diretor James Gunn, iniciando uma nova fase dos personagens da DC Comics no cinema.

Longe de reformular drasticamente o universo DC, e seguindo basicamente a mesma proposta temática que trouxe à trilogia Guardiões da Galáxia, Gunn derrama uma grande dose de ironia, humor, leveza e diversão, traços típicos de seu estilo, criando um longa-metragem que pode ser consumido por espectadores de todas as idades. Não se vê a reverência romântica de Superman: O Retorno, de Bryan Singer, nem a desconstrução rebelde de Zack Snyder, tampouco os temas profundos e mitológicos de Richard Donner. Para o bem ou para o mal, o Superman de James Gunn é simplesmente uma divertida aventura despretensiosa com super-heróis, sem grandes consequências ou dilemas.

Dessa forma, Gunn povoa o novo universo DC com uma dúzia de novos rostos que, embora populares e queridos entre os leitores veteranos dos quadrinhos, pouco haviam aparecido em versões live-action, que dirá nas telonas. Assim, temos a apresentação de Guy Gardner, Senhor Incrível, Mulher-Gavião, Metamorpho, Engenheira, Ultraman e, obviamente, Krypto, o Super-Cão.

Repetindo exatamente o que sempre fez em seus trabalhos anteriores, como Slither, Super, a trilogia Guardiões da Galáxia e The Suicide Squad, temos aqui um grupo de desajustados que precisa aprender a conviver e trabalhar em conjunto para atingir um objetivo comum ao final da trama. Esse mesmo modelo também foi utilizado por Gunn nas séries de TV da DC que produziu e roteirizou, Peacemaker e Creature Commandos.

Mas, apesar da grande quantidade de personagens secundários, ele consegue manter o foco principal no Homem de Aço. No coração narrativo do filme ainda está o debate original entre natureza e criação, presente desde a gênese do herói em Action Comics #1: é o Super-Homem filho dos cientistas kryptonianos Jor-El e Lara, ou filho dos fazendeiros Jonathan e Martha Kent? De onde vem sua bondade e sua vontade de fazer o bem? Diferente da certeza determinista da versão de Donner e do equilíbrio freudiano de Snyder, Gunn resolve o conflito de forma simples e direta, adotando uma solução estritamente lockeana para a questão, seguindo o que foi escrito por John Byrne na minissérie The Man of Steel.

Em 1986, o quadrinista britânico-canadense “marvelizou” o personagem, provocando uma pequena revolução no pós-Crise. Da mesma forma, a nova versão cinematográfica também é uma "marvelização" do Homem do Amanhã, e não apenas no tom de parque de diversões ou na estética colorida do filme. O super-herói original deixa de ser aquele deus irrepreensível, imaculado e perfeito para se tornar mais humano, falho e próximo do grande público, evitando o distanciamento mitológico típico que, em muitas versões, torna o personagem difícil de ser apreciado pela audiência atual.

Um dos elementos mais marcantes do filme é sua estética visual, que foge do filtro sombrio característico das adaptações de Zack Snyder e Christopher Nolan em outras adaptações da DC, Gunn aposta em cores vivas, design art-deco e retrô-futurista e uma fotografia que remete aos quadrinhos pré-Crise. Há um cuidado evidente em compor cada quadro com clareza visual e energia pop. A direção de arte abraça o lúdico sem cair no infantil, e o figurino do novo Superman se mostra ao mesmo funcional e emblemático. Gunn também restaura o tema composto por John Williams para o personagem em 1978, como também fez Singer em 2006, mas nessa versão John Murphy e David Flemingo adaptaram o tema musical para uma versão mais pop/rock com uso de guitarra ao invés de um grande orquestra, e como em todo filme de Gunn trilha sonora é usada como ferramenta narrativa e emocional, carregado com hits obscuros do punk rock funciona para pontuar cenas-chave, especialmente nos momentos de construção emocional entre Lois Lane e Clark Kent.

Ao mesmo tempo em que é uma versão moderna e atual, a visão de Gunn retoma ideias e temas dos quadrinhos pré-Crise, principalmente da Era de Prata de Mort Weisinger e, em menor grau, da Era de Bronze de Julie Schwartz. Enquanto Byrne fez de Clark Kent a verdadeira persona e do Super-Homem um disfarce, David Corenswet e James Gunn tornam a dualidade entre o repórter e o herói menos preto no branco, mais cinzenta, complexa e profunda: tanto o jornalista do Planeta Diário quanto o super-herói são construções que Kal-El cria para lidar com sua origem e formação. Apenas Lois Lane, Jonathan e Martha Kent interagem com seu verdadeiro eu.

O filme peca pela falta de conflitos e surpresas. Lex Luthor, interpretado magistralmente por Nicholas Hoult, é obviamente o grande vilão por trás de todos os problemas e obstáculos enfrentados pelo Super-Homem e pelos heróis no enredo. Mas tudo se resolve muito facilmente, mesmo um conflito internacional provocado por uma histórica crise política é contornado rapidamente. Hoult foge do Luthor caricato de Gene Hackman e Jesse Eisenberg, criando um gênio do mal manipulador e realista com tons contemporâneos que lembram figuras do mundo corporativo e da política atual, sua performance adiciona uma camada de cinismo que contrasta com o idealismo de Clark.

E mesmo quando o filme sugere uma tensão bem-vinda no relacionamento entre Lois e Clark, a solução surge fácil. Aliás, o relacionamento romântico entre os dois é uma das poucas surpresas originais deste novo universo. Em vez de apresentá-los como desconhecidos que se apaixonam, como nos filmes com Christopher Reeve e Margot Kidder, ou como um casal que já teve um relacionamento, como no filme com Brandon Routh e Kate Bosworth, Gunn se inspira parcialmente na abordagem de David S. Goyer, Nolan e Snyder, mostrando os dois repórteres num relacionamento recente e ainda em construção. Dramaticamente, esse é o melhor elemento do filme. O novato Corenswet e a experiente Rachel Brosnahan estão maravilhosos em todas as cenas que compartilham. Além da química palpável entre os dois, o enredo permite que desenvolvam a única relação realmente interessante do filme. No restante do tempo, a ação e a trama acelerada da montanha-russa criada por Gunn não param por um segundo sequer.


Mesmo despretensioso e leve, este novo Super-Homem parece consciente do peso do legado que carrega. Gunn não tenta reinventar o personagem completamente, mas atualizá-lo para uma geração que precisa de símbolos de bondade, otimismo e ação ética. Nesse mundo pós-verdade saturado de anti-heróis, sarcasmo e narrativas cínicas, o retorno de um herói gentil, esperançoso e idealista é, paradoxalmente, um ato de ousadia. Ao resgatar a visão da Era de Prata do personagem sem ser infantilóide, por não abrir mão da maturidade emocional ganha nos quadrinhos pós-Crise, o filme propõe que ainda é possível acreditar em heróis com coração puro e isso talvez seja seu maior mérito.

Apesar de não ser uma obra-prima cinematográfica como o clássico de 1978, o novo filme será, para toda uma nova geração de fãs, o super-herói definitivo que povoará seus sonhos e anseios por toda a vida. Em algum lugar, um garoto de quatro anos verá em Corenswet um ideal de verdade, justiça, bondade e empatia, da mesma forma que Reeve foi nos anos 70 e 80.

- Fabio Marques, 9 de julho de 2025

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