Super-Homem de James Gunn: Um Herói para os Tempos de Hoje
Aos 87 anos, o Super-Homem continua tão vivo, atual, relevante e necessário
como sempre foi. A nova versão cinematográfica do ícone midiático criado por
Jerry Siegel e Joe Shuster durante a Grande Depressão chega às telas pelas mãos
do roteirista e diretor James Gunn, iniciando uma nova fase dos personagens da
DC Comics no cinema.
Longe de reformular drasticamente o universo
DC, e seguindo basicamente a mesma proposta temática que trouxe à trilogia Guardiões
da Galáxia, Gunn derrama uma grande dose de ironia, humor, leveza e
diversão, traços típicos de seu estilo, criando um longa-metragem que pode ser
consumido por espectadores de todas as idades. Não se vê a reverência romântica
de Superman: O Retorno, de Bryan Singer, nem a desconstrução rebelde de
Zack Snyder, tampouco os temas profundos e mitológicos de Richard Donner. Para
o bem ou para o mal, o Superman de James Gunn é simplesmente uma
divertida aventura despretensiosa com super-heróis, sem grandes consequências
ou dilemas.
Dessa forma, Gunn povoa o novo universo DC com
uma dúzia de novos rostos que, embora populares e queridos entre os leitores
veteranos dos quadrinhos, pouco haviam aparecido em versões live-action, que
dirá nas telonas. Assim, temos a apresentação de Guy Gardner, Senhor Incrível,
Mulher-Gavião, Metamorpho, Engenheira, Ultraman e, obviamente, Krypto, o
Super-Cão.
Repetindo exatamente o que sempre fez em seus
trabalhos anteriores, como Slither, Super, a trilogia Guardiões
da Galáxia e The Suicide Squad, temos aqui um grupo de desajustados
que precisa aprender a conviver e trabalhar em conjunto para atingir um
objetivo comum ao final da trama. Esse mesmo modelo também foi utilizado por
Gunn nas séries de TV da DC que produziu e roteirizou, Peacemaker e Creature
Commandos.
Mas, apesar da grande quantidade de personagens
secundários, ele consegue manter o foco principal no Homem de Aço. No coração
narrativo do filme ainda está o debate original entre natureza e criação,
presente desde a gênese do herói em Action Comics #1: é o Super-Homem
filho dos cientistas kryptonianos Jor-El e Lara, ou filho dos fazendeiros
Jonathan e Martha Kent? De onde vem sua bondade e sua vontade de fazer o bem?
Diferente da certeza determinista da versão de Donner e do equilíbrio freudiano
de Snyder, Gunn resolve o conflito de forma simples e direta, adotando uma
solução estritamente lockeana para a questão, seguindo o que foi escrito por
John Byrne na minissérie The Man of Steel.
Em 1986, o quadrinista britânico-canadense “marvelizou”
o personagem, provocando uma pequena revolução no pós-Crise. Da mesma forma, a
nova versão cinematográfica também é uma "marvelização" do Homem do
Amanhã, e não apenas no tom de parque de diversões ou na estética colorida do
filme. O super-herói original deixa de ser aquele deus irrepreensível,
imaculado e perfeito para se tornar mais humano, falho e próximo do grande
público, evitando o distanciamento mitológico típico que, em muitas versões,
torna o personagem difícil de ser apreciado pela audiência atual.
Um dos elementos mais marcantes do filme é sua
estética visual, que foge do filtro sombrio característico das adaptações de Zack
Snyder e Christopher Nolan em outras adaptações da DC, Gunn aposta em cores
vivas, design art-deco e retrô-futurista e uma fotografia que remete aos
quadrinhos pré-Crise. Há um cuidado evidente em compor cada quadro com clareza
visual e energia pop. A direção de arte abraça o lúdico sem cair no infantil, e
o figurino do novo Superman se mostra ao mesmo funcional e emblemático. Gunn também
restaura o tema composto por John Williams para o personagem em 1978, como também
fez Singer em 2006, mas nessa versão John Murphy e David Flemingo adaptaram o
tema musical para uma versão mais pop/rock com uso de guitarra ao invés de um
grande orquestra, e como em todo filme de Gunn trilha sonora é usada como
ferramenta narrativa e emocional, carregado com hits obscuros do punk rock funciona
para pontuar cenas-chave, especialmente nos momentos de construção emocional
entre Lois Lane e Clark Kent.
Ao mesmo tempo em que é uma versão moderna e
atual, a visão de Gunn retoma ideias e temas dos quadrinhos pré-Crise,
principalmente da Era de Prata de Mort Weisinger e, em menor grau, da Era de
Bronze de Julie Schwartz. Enquanto Byrne fez de Clark Kent a verdadeira persona
e do Super-Homem um disfarce, David Corenswet e James Gunn tornam a dualidade
entre o repórter e o herói menos preto no branco, mais cinzenta, complexa e
profunda: tanto o jornalista do Planeta Diário quanto o super-herói são
construções que Kal-El cria para lidar com sua origem e formação. Apenas Lois
Lane, Jonathan e Martha Kent interagem com seu verdadeiro eu.
O filme peca pela falta de conflitos e
surpresas. Lex Luthor, interpretado magistralmente por Nicholas Hoult, é obviamente
o grande vilão por trás de todos os problemas e obstáculos enfrentados pelo
Super-Homem e pelos heróis no enredo. Mas tudo se resolve muito facilmente,
mesmo um conflito internacional provocado por uma histórica crise política é contornado
rapidamente. Hoult foge do Luthor caricato de Gene Hackman e Jesse Eisenberg,
criando um gênio do mal manipulador e realista com tons contemporâneos que
lembram figuras do mundo corporativo e da política atual, sua performance
adiciona uma camada de cinismo que contrasta com o idealismo de Clark.
E mesmo quando o filme sugere uma tensão bem-vinda no relacionamento entre Lois e Clark, a solução surge fácil. Aliás, o relacionamento romântico entre os dois é uma das poucas surpresas originais deste novo universo. Em vez de apresentá-los como desconhecidos que se apaixonam, como nos filmes com Christopher Reeve e Margot Kidder, ou como um casal que já teve um relacionamento, como no filme com Brandon Routh e Kate Bosworth, Gunn se inspira parcialmente na abordagem de David S. Goyer, Nolan e Snyder, mostrando os dois repórteres num relacionamento recente e ainda em construção. Dramaticamente, esse é o melhor elemento do filme. O novato Corenswet e a experiente Rachel Brosnahan estão maravilhosos em todas as cenas que compartilham. Além da química palpável entre os dois, o enredo permite que desenvolvam a única relação realmente interessante do filme. No restante do tempo, a ação e a trama acelerada da montanha-russa criada por Gunn não param por um segundo sequer.
Mesmo despretensioso e leve, este novo Super-Homem parece consciente do peso do
legado que carrega. Gunn não tenta reinventar o personagem completamente, mas
atualizá-lo para uma geração que precisa de símbolos de bondade, otimismo e
ação ética. Nesse mundo pós-verdade saturado de anti-heróis, sarcasmo e
narrativas cínicas, o retorno de um herói gentil, esperançoso e idealista é,
paradoxalmente, um ato de ousadia. Ao resgatar a visão da Era de Prata do
personagem sem ser infantilóide, por não abrir mão da maturidade emocional
ganha nos quadrinhos pós-Crise, o filme propõe que ainda é possível acreditar
em heróis com coração puro e isso talvez seja seu maior mérito.
Apesar de não ser uma obra-prima
cinematográfica como o clássico de 1978, o novo filme será, para toda uma nova
geração de fãs, o super-herói definitivo que povoará seus sonhos e anseios por
toda a vida. Em algum lugar, um garoto de quatro anos verá em Corenswet um
ideal de verdade, justiça, bondade e empatia, da mesma forma que Reeve foi nos
anos 70 e 80.
Nenhum comentário:
Postar um comentário