sábado, julho 19, 2025

O legado do "Snyderverse"


O legado do "Snydervese" 

O universo de filmes de Zack Snyder, frequentemente chamado de “Snyderverse”, ocupa um lugar único e complexo na história do cinema de super-heróis. Mais do que uma simples sequência de filmes, ele representa uma visão autoral, artística e ousada dentro de um gênero frequentemente dominado por fórmulas prontas e interesses comerciais. Snyder trouxe um estilo visual e temático distinto ao Universo DC, retratando seus heróis não como aventureiros simplificados, mas como figuras mitológicas lidando com identidade, trauma e dilemas filosóficos.

A base do “Snyderverse” começou com O Homem de Aço (Man of Steel, 2013), uma reinicialização do Super-Homem que redefiniu o personagem para a era moderna. Este filme marcou uma colaboração crucial entre Zack Snyder e Christopher Nolan, que atuou como produtor e coautor da história ao lado de David S. Goyer, o roteirista, diretor e produtor norte-americano conhecido por seu trabalho em adaptações de quadrinhos e ficção científica de tom sombrio e sofisticado. Um dos seus primeiros grandes sucessos foi Dark City (1998), que coescreveu com Alex Proyas, um filme cult de ficção científica noir que influenciou profundamente obras posteriores como The Matrix.

Goyer também foi o principal roteirista da trilogia Blade (1998–2004), estrelada por Wesley Snipes, que teve papel essencial na legitimação dos filmes de super-heróis voltados para um público adulto antes mesmo do surgimento do Universo Cinematográfico Marvel. Essas obras demonstram a habilidade de Goyer em criar mundos densos, sombrios e estilizados, combinando ação e filosofia com tramas envolventes, características que ele levaria também para os filmes do Batman dirigidos por Christopher Nolan.

Vindo do sucesso de crítica e público da trilogia O Cavaleiro das Trevas, Nolan trouxe não apenas sua sensibilidade criativa, mas também sua credibilidade na indústria para o projeto. Sua influência ajudou a ancorar o Super-Homem em um mundo mais realista e emocionalmente ressonante, conferindo um nível de prestígio e rigor narrativo que elevou o filme para além de uma típica história de origem. Snyder, por sua vez, pegou os alicerces temáticos de Nolan e os traduziu em uma visão cinematográfica marcada pela reverência, pelo isolamento e pela complexidade moral.

Com a expansão do universo em Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016), as ambições narrativas se tornaram ainda mais audaciosas. Com roteiro escrito por Chris Terrio, roteirista vencedor do Oscar por Argo. A participação de Terrio trouxe uma abordagem mais estruturada e literária ao roteiro, recheando o filme de simbolismo, subtextos políticos e conflitos morais. Batman vs Superman explorou as consequências do poder sem controle, os perigos do medo e o peso do legado, posicionando seu confronto central como um embate de ideologias, e não somente uma luta física. Nolan permaneceu creditado como produtor executivo, com participação criativa mínima, dando espaço para Snyder e Terrio conduzirem a narrativa.

Apesar de dividirem a crítica, esses filmes conquistaram um público massivo. O Homem de Aço arrecadou mais de 660 milhões de dólares no mundo todo, enquanto Batman vs Superman ultrapassou os 870 milhões.

Em 2017, enquanto Zack Snyder enfrentava a devastadora perda de sua filha Autumn por suicídio, os executivos da Warner Bros., incluindo Walter Hamada e Geoff Johns, aproveitaram-se da tragédia para afastá-lo de Liga da Justiça. Embora o motivo oficial fosse seu luto, diversas fontes indicam que a decisão já estava tomada nos bastidores devido à recepção dividida de Batman vs Superman. Em vez de oferecer apoio, os produtores agiram com frieza e cálculo, usando o momento de vulnerabilidade extrema de Snyder como pretexto para substituí-lo e remodelar o filme de acordo com interesses comerciais. Joss Whedon foi então trazido para refilmar e alterar profundamente a obra, ignorando a visão autoral de Snyder. A forma como Hamada, Johns e outros lidaram com a situação foi amplamente criticada como um exemplo flagrante de oportunismo e desumanidade por parte da indústria, trocando integridade artística e empatia por controle corporativo e lucro fácil.

O filme Liga da Justiça, finalizado por Joss Whedon após a saída forçada de Zack Snyder, é amplamente considerado um fracasso artístico e narrativo. O resultado final é uma obra desconexa, marcada por um tom instável que tenta mesclar comédia leve com uma trama originalmente densa e épica, resultando em uma experiência superficial e sem coesão. As refilmagens apressadas, o uso excessivo de efeitos visuais inacabados e a presença de diálogos forçados e piadas deslocadas contribuíram para enfraquecer os personagens e banalizar seus conflitos. A mutilação da visão original de Snyder em favor de um produto mais “acessível” acabou esvaziando o impacto dramático da história e alienando tanto o público quanto os fãs. A tentativa de imitar o estilo colorido e infantil da Marvel, sem compreender sua essência revelou-se desastrosa, deixando Liga da Justiça de Whedon como um símbolo da interferência corporativa mal calculada e da mediocridade imposta por comitês executivos.

Dessa forma, a culminação da trilogia de Snyder só veria com Liga da Justiça de Zack Snyder (Zack Snyder’s Justice League, 2021), um épico de quatro horas que restaurou sua visão original após sua saída conturbada da versão lançada nos cinemas em 2017, quando o roteiro de Chris Terrio retornou e desenvolvendo completamente arcos emocionais mais coerentes, especialmente para personagens como o Ciborgue e Flash, que haviam sido apagados da versão de cinema.

O caminho até esse lançamento é uma história à parte. Quando Snyder se afastou da produção e a Warner Bros. lançou a versão grotesca de Whedon, surgiu um movimento popular massivo em resposta, o #ReleaseTheSnyderCut. Impulsionado por fãs apaixonados, celebridades e pelo próprio Snyder, o movimento conseguiu convencer a Warner Bros. a financiar e lançar a versão original na HBO Max. Após assistirem à versão de Whedon, Nolan e a produtora Deborah Snyder aconselharam Zack a não a ver, considerando a experiência emocionalmente devastadora. Embora Nolan já não estivesse envolvido diretamente, ele apoiou Snyder nos bastidores.

Liga da Justiça de Zack Snyder tornou-se um marco na história do entretenimento, não apenas por sua qualidade, mas pelo que simbolizou: o poder do engajamento dos fãs, o valor da integridade criativa e o potencial das plataformas de streaming em resgatar obras comprometidas. Apesar de não ter estreado nos cinemas, foi o título mais assistido da HBO Max em seu lançamento e foi amplamente reconhecido como superior à versão de 2017.

Mais do que seu conteúdo narrativo, o “Snyderverse” desafiou as convenções do gênero de super-heróis. Teve a ousadia de levar seus personagens a sério, às vezes até demais, e os tratou como figuras mitológicas em um mundo moralmente ambíguo. O Super-Homem foi retratado como um messias relutante; o Batman, como um vigilante envelhecido e traumatizado em busca de redenção; e Mulher-Maravilha, Aquaman e Ciborgue ganharam uma dignidade e profundidade mais próximas da fantasia épica do que da ação convencional.

Embora a Warner Bros. tenha eventualmente se afastado da rota traçada por Snyder e seguido uma abordagem mais fragmentada, sua influência permaneceu impregnada no DNA dos filmes posteriores da DC. Suas escolhas de elenco, o tom e a linguagem visual moldaram as versões de Aquaman, Flash e principalmente o sucesso Mulher-Maravilha que o público abraçou esses filmes solo. E talvez o mais importante: os filmes de Snyder provaram que o gênero de super-heróis pode aspirar à profundidade temática e à ressonância mitológica, e não apenas ao entretenimento leve e cheio de piadas.

Em paralelo, o sucesso estrondoso de crítica e público de Coringa (Joker, 2019), dirigido por Todd Phillips, não apenas surpreendeu o mercado como também desafiou a lógica dominante dos filmes de super-heróis. Ao invés de seguir a fórmula padrão das franquias, Phillips apostou numa abordagem sombria, introspectiva e autoral, explorando temas como doença mental, desigualdade social e alienação urbana. A narrativa, centrada num personagem perturbado e tragicamente humano, evocou a linguagem do cinema de autor dos anos 1970, e encontrou eco entre plateias globais. O tom sombrio, a densidade psicológica e a estética realista de Coringa remetem diretamente ao estilo visual e temático cultivado por Zack Snyder no universo DC, especialmente em Batman vs Superman, onde heróis são retratados como figuras mitológicas inseridas num mundo brutal e complexo. Ainda que os estilos sejam distintos, ambos compartilham a ambição de levar os quadrinhos para territórios adultos e provocativos. Distinto do besteirol típico da Marvel.

A influência de Martin Scorsese em Coringa é central para compreender sua profundidade estética e narrativa. Embora ele tenha se afastado formalmente da produção, Scorsese atuou como mentor de Phillips, e sua obra, em especial Taxi Driver (1976) e O Rei da Comédia (1982), moldou diretamente a construção do protagonista vivido por Joaquin Phoenix. Além disso, a presença de sua funcionária e produtora Emma Tillinger Koskoff e do amigo Robert De Niro no elenco e na produção reforçam esse elo criativo, funcionando como ponte viva entre os dois cineastas. A equipe de Coringa contou com colaboradores próximos a Scorsese, o que ajudou a transpor para o universo dos quadrinhos a densidade moral e o realismo cru típicos do cineasta nova-iorquino. É importante lembrar que o próprio Scorsese tem sido um crítico feroz da Marvel, argumentando que seus filmes são “parques de diversões”, desprovidos de risco artístico ou substância dramática. Coringa, nesse contexto, funciona como uma resposta, um exemplo de que filmes de quadrinhos podem e devem carregar complexidade e provocar reflexão, quando tratados com liberdade autoral.

Esse mesmo espírito de ousadia já havia sido cultivado por Zack Snyder em sua visão do universo DC, ainda que sem o reconhecimento imediato da crítica. Como Phillips, Snyder sempre tratou o material de origem com seriedade, apostando em dilemas morais, questões filosóficas e uma estética visual carregada, quase operística. A rejeição inicial de sua abordagem por parte da Warner e o subsequente sucesso de Coringa escancararam uma contradição dentro do estúdio: enquanto um filme sombrio e autoral arrecadava mais de um bilhão de dólares e recebia o Leão de Ouro em Veneza, além dois Oscars em indicações ao prêmio máxima do cinema mundial, o mesmo tipo de visão havia sido rejeitada poucos anos antes, quando vinha de Snyder. Assim, o sucesso de crítica e público de Coringa reafirmou o valor de uma abordagem adulta aos quadrinhos e, paradoxalmente, consolidou o legado estético e temático de Zack Snyder como um precursor subestimado dessa nova fase do cinema baseado em quadrinhos.

O valor do “Snyderverse” reside não apenas em estilo cinematográfico distinto, mas no que ele representa: a convergência entre visão autoral e espetáculo blockbuster; o impacto de vozes colaborativas como as de Nolan, Terrio e Goyer; e o papel crescente das comunidades de fãs na definição do destino das obras criativas. Seja admirado por sua ambição ou criticado por seus excessos, o universo DC de Zack Snyder redefiniu o que um épico de super-heróis pode ser, e deixa um legado que continuará sendo debatido por muitos anos.

- Fabio Marques, 19 de julho de 2025


quarta-feira, julho 09, 2025

James Gunn's Superman: A Hero for Our Times

 


James Gunn's Superman: A Hero for Our Times


At 87 years old, Superman remains as alive, current, relevant, and necessary as ever. The new cinematic version of the media icon created by Jerry Siegel and Joe Shuster during the Great Depression hits the screens under the direction of screenwriter and filmmaker James Gunn, kicking off a new phase for the DC Comics characters on film.

Far from radically overhauling the DC universe, and essentially following the same thematic approach he brought to the Guardians of the Galaxy trilogy, Gunn pours in a heavy dose of irony, humor, lightness, and fun—hallmarks of his style—creating a feature film that can be enjoyed by audiences of all ages. There’s none of the romantic reverence of Bryan Singer’s Superman Returns, the rebellious deconstruction of Zack Snyder, or the deep, mythological themes of Richard Donner. For better or worse, James Gunn’s Superman is simply an unpretentious, fun superhero adventure, with no major consequences or dilemmas.

Thus, Gunn populates the new DC universe with a dozen new faces who, while beloved and familiar to veteran comic readers, had barely appeared in live-action, let alone on the big screen. We’re introduced to Guy Gardner, Mister Terrific, Hawkgirl, Metamorpho, the Engineer, Ultraman, and of course, Krypto the Superdog.

Repeating exactly what he’s always done in his previous works—Slither, Super, the Guardians of the Galaxy trilogy, and The Suicide Squad—we once again have a group of misfits who must learn to coexist and work together to achieve a common goal by the end of the story. Gunn also used this same model in the DC TV series he wrote and produced: Peacemaker and Creature Commandos.

Yet despite the large number of secondary characters, Gunn manages to keep the main focus on the Man of Steel. At the narrative heart of the film remains the original debate between nature and nurture, present since the hero’s genesis in Action Comics #1: is Superman the son of Kryptonian scientists Jor-El and Lara, or the son of farmers Jonathan and Martha Kent? Where does his goodness and will to do good come from? Unlike the deterministic certainty of Donner’s version or the Freudian balance of Snyder’s, Gunn resolves the conflict in a simple and direct way, adopting a strictly Lockean solution, following what John Byrne wrote in the Man of Steel miniseries.

In 1986, the British-Canadian comic book writer “Marvelized” the character, sparking a small revolution in the post-Crisis era. In the same way, the new film version also "Marvelizes" the Man of Tomorrow—not just in its theme park tone or colorful visuals. The original superhero ceases to be a flawless, untouchable god and becomes more human, fallible, and relatable to the general audience, avoiding the mythological detachment that, in many versions, makes the character difficult for today’s audiences to embrace.

One of the film’s most striking elements is its visual aesthetic, which steers away from the dark filters typical of Zack Snyder and Christopher Nolan’s DC adaptations. Gunn opts for vivid colors, art-deco and retro-futuristic design, and cinematography that evokes pre-Crisis comic books. There’s clear care in composing each shot with visual clarity and pop energy. The art direction embraces the whimsical without veering into childish, and the new Superman costume proves both functional and iconic. Gunn also brings back John Williams’s 1978 Superman theme, just as Singer did in 2006—but this time, John Murphy and David Fleming adapt it into a more pop/rock version with electric guitar instead of a grand orchestra. As is typical in Gunn’s films, the soundtrack serves as a narrative and emotional tool. Packed with obscure punk rock hits, it helps punctuate key scenes—especially during emotional moments between Lois Lane and Clark Kent.

While modern and up-to-date, Gunn’s vision also brings back ideas and themes from pre-Crisis comics, especially the Silver Age stories by Mort Weisinger, and to a lesser extent, the Bronze Age of Julie Schwartz. While Byrne made Clark Kent the true identity and Superman the disguise, David Corenswet and James Gunn make the duality between reporter and superhero less black-and-white—more gray, complex, and profound: both the Daily Planet journalist and the superhero are personas Kal-El creates to deal with his origin and upbringing. Only Lois Lane, Jonathan, and Martha Kent interact with his true self.

The film’s main flaw is its lack of tension and surprises. Lex Luthor, masterfully portrayed by Nicholas Hoult, is obviously the big villain behind all of Superman’s and the heroes’ problems in the plot. But everything is resolved too easily—even an international conflict triggered by a historic political crisis is quickly handled. Hoult avoids the caricatured Luthor seen in Gene Hackman and Jesse Eisenberg, creating a manipulative and realistic evil genius with contemporary undertones reminiscent of corporate or political figures. His performance adds a layer of cynicism that contrasts well with Clark’s idealism.

Even when the film suggests some welcome tension between Lois and Clark, the resolution comes too easily. In fact, their romantic relationship is one of the few original surprises of this new universe. Rather than portraying them as strangers falling in love, like in the films with Christopher Reeve and Margot Kidder, or as a couple with a past relationship, like in the movie with Brandon Routh and Kate Bosworth, Gunn is partially inspired by the approach of David S. Goyer, Nolan, and Snyder—showing the two reporters in a budding relationship still under development. Dramatically, this is the film’s strongest element. The newcomer Corenswet and the experienced Rachel Brosnahan are wonderful in every scene they share. Beyond the palpable chemistry between them, the script allows them to develop the only truly compelling relationship in the film. The rest of the time, Gunn’s rollercoaster-paced plot and action never stop for even a second.

Even lighthearted and unpretentious, this new Superman feels aware of the weight of the legacy it carries. Gunn doesn’t try to reinvent the character completely, but to update him for a generation in need of symbols of kindness, optimism, and ethical action. In this post-truth world saturated with antiheroes, sarcasm, and cynical narratives, the return of a kind, hopeful, and idealistic hero is, paradoxically, an act of boldness. By rescuing the Silver Age vision of the character without being childish—and without abandoning the emotional maturity gained in the post-Crisis comics—the film proposes that it is still possible to believe in heroes with pure hearts, and that may be its greatest achievement.

Although it’s not a cinematic masterpiece like the 1978 classic, the new film will be, for an entire new generation of fans, the definitive superhero to populate their dreams and hopes for a lifetime. Somewhere, a four-year-old boy will see in Corenswet an ideal of truth, justice, kindness, and empathy—just as Reeve was in the 1970s and ’80s.

— Fabio Marques, July 9, 2025

Superman de James Gunn: Un Héroe para los Tiempos de Hoy


 Superman de James Gunn: Un Héroe para los Tiempos de Hoy

A sus 87 años, Superman sigue tan vivo, actual, relevante y necesario como siempre lo fue. La nueva versión cinematográfica del ícono mediático creado por Jerry Siegel y Joe Shuster durante la Gran Depresión llega a las pantallas de la mano del guionista y director James Gunn, iniciando una nueva etapa para los personajes de DC Comics en el cine.

Lejos de reformular drásticamente el universo DC, y siguiendo básicamente la misma propuesta temática que presentó en la trilogía Guardianes de la Galaxia, Gunn vierte una gran dosis de ironía, humor, ligereza y diversión, rasgos típicos de su estilo, creando un largometraje que puede ser disfrutado por espectadores de todas las edades. No hay aquí la reverencia romántica de Superman Returns, de Bryan Singer, ni la deconstrucción rebelde de Zack Snyder, tampoco los temas profundos y mitológicos de Richard Donner. Para bien o para mal, el Superman de James Gunn es simplemente una aventura divertida y despreocupada de superhéroes, sin grandes consecuencias ni dilemas.

De esta forma, Gunn puebla el nuevo universo DC con una docena de nuevos rostros que, aunque populares y queridos entre los lectores veteranos de cómics, habían aparecido poco en versiones live-action, y mucho menos en la gran pantalla. Así, se nos presentan Guy Gardner, Señor Increíble, Mujer Halcón, Metamorpho, la Ingeniera, Ultraman y, obviamente, Krypto, el Super-Perro.

Repitiendo exactamente lo que siempre hizo en sus trabajos anteriores, como Slither, Super, la trilogía Guardianes de la Galaxia y The Suicide Squad, tenemos aquí a un grupo de inadaptados que debe aprender a convivir y trabajar en equipo para alcanzar un objetivo común al final de la historia. Este mismo modelo fue utilizado por Gunn en las series de televisión de DC que escribió y produjo, Peacemaker y Creature Commandos.

Pero, a pesar de la gran cantidad de personajes secundarios, logra mantener el foco principal en el Hombre de Acero. En el corazón narrativo de la película permanece el debate original entre naturaleza y crianza, presente desde la génesis del héroe en Action Comics #1: ¿es Superman hijo de los científicos kryptonianos Jor-El y Lara, o hijo de los granjeros Jonathan y Martha Kent? ¿De dónde provienen su bondad y su deseo de hacer el bien? A diferencia de la certeza determinista de la versión de Donner y del equilibrio freudiano de Snyder, Gunn resuelve el conflicto de forma simple y directa, adoptando una solución estrictamente lockeana, siguiendo lo que escribió John Byrne en la miniserie The Man of Steel.

En 1986, el historietista británico-canadiense “marvelizó” al personaje, provocando una pequeña revolución en el periodo posterior a Crisis on Infinite Earths. Del mismo modo, esta nueva versión cinematográfica también representa una “marvelización” del Hombre del Mañana, y no solo en su tono de parque de diversiones o en la estética colorida del filme. El superhéroe original deja de ser ese dios intachable, inmaculado y perfecto para convertirse en alguien más humano, falible y cercano al gran público, evitando el distanciamiento mitológico típico que, en muchas versiones, hace difícil que el personaje sea apreciado por la audiencia actual.

Uno de los elementos más llamativos del filme es su estética visual, que huye del filtro sombrío característico de las adaptaciones de Zack Snyder y Christopher Nolan. Gunn apuesta por colores vivos, diseño art déco y retrofuturista, y una fotografía que remite a los cómics pre-Crisis. Se nota un cuidado evidente en la composición de cada plano con claridad visual y energía pop. La dirección de arte abraza lo lúdico sin caer en lo infantil, y el vestuario del nuevo Superman resulta tanto funcional como emblemático. Gunn también recupera el tema compuesto por John Williams para el personaje en 1978, como lo hizo Singer en 2006, pero en esta versión John Murphy y David Fleming lo adaptan a una versión más pop/rock con uso de guitarra en lugar de gran orquesta, y como en todas las películas de Gunn, la banda sonora es usada como herramienta narrativa y emocional, cargada de hits oscuros del punk rock que subrayan escenas clave, especialmente en los momentos de construcción emocional entre Lois Lane y Clark Kent.

Al mismo tiempo que es una versión moderna y actual, la visión de Gunn retoma ideas y temas de los cómics pre-Crisis, principalmente de la Era de Plata de Mort Weisinger y, en menor medida, de la Era de Bronce de Julie Schwartz. Mientras Byrne convirtió a Clark Kent en la verdadera persona y a Superman en un disfraz, David Corenswet y James Gunn hacen que la dualidad entre el reportero y el héroe sea menos blanco y negro, más gris, compleja y profunda: tanto el periodista del Daily Planet como el superhéroe son construcciones que Kal-El crea para lidiar con su origen y su identidad. Solo Lois Lane, Jonathan y Martha Kent interactúan con su verdadero yo.

La película falla por la falta de conflictos y sorpresas. Lex Luthor, interpretado magistralmente por Nicholas Hoult, es obviamente el gran villano detrás de todos los problemas y obstáculos enfrentados por Superman y los héroes en la trama. Pero todo se resuelve con demasiada facilidad, incluso un conflicto internacional provocado por una histórica crisis política se resuelve rápidamente. Hoult se aleja del Luthor caricaturesco de Gene Hackman y Jesse Eisenberg, creando un genio del mal manipulador y realista con tintes contemporáneos que recuerdan a figuras del mundo corporativo y político actual. Su interpretación añade una capa de cinismo que contrasta con el idealismo de Clark.

Incluso cuando la película sugiere una tensión bienvenida en la relación entre Lois y Clark, la solución llega fácilmente. De hecho, la relación romántica entre ambos es una de las pocas sorpresas originales de este nuevo universo. En lugar de presentarlos como desconocidos que se enamoran, como en las películas con Christopher Reeve y Margot Kidder, o como una pareja que ya tuvo una relación, como en la película con Brandon Routh y Kate Bosworth, Gunn se inspira parcialmente en el enfoque de David S. Goyer, Nolan y Snyder, mostrando a los dos reporteros en una relación reciente y aún en desarrollo. Dramáticamente, este es el mejor elemento del filme. El novato Corenswet y la experimentada Rachel Brosnahan están maravillosos en todas las escenas que comparten. Además de la química palpable entre ambos, el guion permite que desarrollen la única relación realmente interesante de la película. El resto del tiempo, la acción y el ritmo vertiginoso de montaña rusa creado por Gunn no se detiene ni un segundo.

Incluso siendo desenfadado y ligero, este nuevo Superman parece consciente del peso del legado que lleva. Gunn no intenta reinventar al personaje completamente, sino actualizarlo para una generación que necesita símbolos de bondad, optimismo y acción ética. En este mundo posverdad saturado de antihéroes, sarcasmo y narrativas cínicas, el regreso de un héroe amable, esperanzador e idealista es, paradójicamente, un acto de osadía. Al rescatar la visión de la Era de Plata del personaje sin caer en lo infantil, y sin renunciar a la madurez emocional ganada en los cómics post-Crisis, la película propone que aún es posible creer en héroes de corazón puro, y tal vez ese sea su mayor mérito.

Aunque no sea una obra maestra cinematográfica como el clásico de 1978, la nueva película será, para toda una nueva generación de fans, el superhéroe definitivo que habitará sus sueños y aspiraciones para toda la vida. En algún lugar, un niño de cuatro años verá en Corenswet un ideal de verdad, justicia, bondad y empatía, del mismo modo en que Reeve lo fue en los años 70 y 80.

— Fabio Marques, 9 de julio de 2025

Super-Homem de James Gunn: Um Herói para os Tempos de Hoje



Super-Homem de James Gunn: Um Herói para os Tempos de Hoje


Aos 87 anos, o Super-Homem continua tão vivo, atual, relevante e necessário como sempre foi. A nova versão cinematográfica do ícone midiático criado por Jerry Siegel e Joe Shuster durante a Grande Depressão chega às telas pelas mãos do roteirista e diretor James Gunn, iniciando uma nova fase dos personagens da DC Comics no cinema.

Longe de reformular drasticamente o universo DC, e seguindo basicamente a mesma proposta temática que trouxe à trilogia Guardiões da Galáxia, Gunn derrama uma grande dose de ironia, humor, leveza e diversão, traços típicos de seu estilo, criando um longa-metragem que pode ser consumido por espectadores de todas as idades. Não se vê a reverência romântica de Superman: O Retorno, de Bryan Singer, nem a desconstrução rebelde de Zack Snyder, tampouco os temas profundos e mitológicos de Richard Donner. Para o bem ou para o mal, o Superman de James Gunn é simplesmente uma divertida aventura despretensiosa com super-heróis, sem grandes consequências ou dilemas.

Dessa forma, Gunn povoa o novo universo DC com uma dúzia de novos rostos que, embora populares e queridos entre os leitores veteranos dos quadrinhos, pouco haviam aparecido em versões live-action, que dirá nas telonas. Assim, temos a apresentação de Guy Gardner, Senhor Incrível, Mulher-Gavião, Metamorpho, Engenheira, Ultraman e, obviamente, Krypto, o Super-Cão.

Repetindo exatamente o que sempre fez em seus trabalhos anteriores, como Slither, Super, a trilogia Guardiões da Galáxia e The Suicide Squad, temos aqui um grupo de desajustados que precisa aprender a conviver e trabalhar em conjunto para atingir um objetivo comum ao final da trama. Esse mesmo modelo também foi utilizado por Gunn nas séries de TV da DC que produziu e roteirizou, Peacemaker e Creature Commandos.

Mas, apesar da grande quantidade de personagens secundários, ele consegue manter o foco principal no Homem de Aço. No coração narrativo do filme ainda está o debate original entre natureza e criação, presente desde a gênese do herói em Action Comics #1: é o Super-Homem filho dos cientistas kryptonianos Jor-El e Lara, ou filho dos fazendeiros Jonathan e Martha Kent? De onde vem sua bondade e sua vontade de fazer o bem? Diferente da certeza determinista da versão de Donner e do equilíbrio freudiano de Snyder, Gunn resolve o conflito de forma simples e direta, adotando uma solução estritamente lockeana para a questão, seguindo o que foi escrito por John Byrne na minissérie The Man of Steel.

Em 1986, o quadrinista britânico-canadense “marvelizou” o personagem, provocando uma pequena revolução no pós-Crise. Da mesma forma, a nova versão cinematográfica também é uma "marvelização" do Homem do Amanhã, e não apenas no tom de parque de diversões ou na estética colorida do filme. O super-herói original deixa de ser aquele deus irrepreensível, imaculado e perfeito para se tornar mais humano, falho e próximo do grande público, evitando o distanciamento mitológico típico que, em muitas versões, torna o personagem difícil de ser apreciado pela audiência atual.

Um dos elementos mais marcantes do filme é sua estética visual, que foge do filtro sombrio característico das adaptações de Zack Snyder e Christopher Nolan em outras adaptações da DC, Gunn aposta em cores vivas, design art-deco e retrô-futurista e uma fotografia que remete aos quadrinhos pré-Crise. Há um cuidado evidente em compor cada quadro com clareza visual e energia pop. A direção de arte abraça o lúdico sem cair no infantil, e o figurino do novo Superman se mostra ao mesmo funcional e emblemático. Gunn também restaura o tema composto por John Williams para o personagem em 1978, como também fez Singer em 2006, mas nessa versão John Murphy e David Flemingo adaptaram o tema musical para uma versão mais pop/rock com uso de guitarra ao invés de um grande orquestra, e como em todo filme de Gunn trilha sonora é usada como ferramenta narrativa e emocional, carregado com hits obscuros do punk rock funciona para pontuar cenas-chave, especialmente nos momentos de construção emocional entre Lois Lane e Clark Kent.

Ao mesmo tempo em que é uma versão moderna e atual, a visão de Gunn retoma ideias e temas dos quadrinhos pré-Crise, principalmente da Era de Prata de Mort Weisinger e, em menor grau, da Era de Bronze de Julie Schwartz. Enquanto Byrne fez de Clark Kent a verdadeira persona e do Super-Homem um disfarce, David Corenswet e James Gunn tornam a dualidade entre o repórter e o herói menos preto no branco, mais cinzenta, complexa e profunda: tanto o jornalista do Planeta Diário quanto o super-herói são construções que Kal-El cria para lidar com sua origem e formação. Apenas Lois Lane, Jonathan e Martha Kent interagem com seu verdadeiro eu.

O filme peca pela falta de conflitos e surpresas. Lex Luthor, interpretado magistralmente por Nicholas Hoult, é obviamente o grande vilão por trás de todos os problemas e obstáculos enfrentados pelo Super-Homem e pelos heróis no enredo. Mas tudo se resolve muito facilmente, mesmo um conflito internacional provocado por uma histórica crise política é contornado rapidamente. Hoult foge do Luthor caricato de Gene Hackman e Jesse Eisenberg, criando um gênio do mal manipulador e realista com tons contemporâneos que lembram figuras do mundo corporativo e da política atual, sua performance adiciona uma camada de cinismo que contrasta com o idealismo de Clark.

E mesmo quando o filme sugere uma tensão bem-vinda no relacionamento entre Lois e Clark, a solução surge fácil. Aliás, o relacionamento romântico entre os dois é uma das poucas surpresas originais deste novo universo. Em vez de apresentá-los como desconhecidos que se apaixonam, como nos filmes com Christopher Reeve e Margot Kidder, ou como um casal que já teve um relacionamento, como no filme com Brandon Routh e Kate Bosworth, Gunn se inspira parcialmente na abordagem de David S. Goyer, Nolan e Snyder, mostrando os dois repórteres num relacionamento recente e ainda em construção. Dramaticamente, esse é o melhor elemento do filme. O novato Corenswet e a experiente Rachel Brosnahan estão maravilhosos em todas as cenas que compartilham. Além da química palpável entre os dois, o enredo permite que desenvolvam a única relação realmente interessante do filme. No restante do tempo, a ação e a trama acelerada da montanha-russa criada por Gunn não param por um segundo sequer.


Mesmo despretensioso e leve, este novo Super-Homem parece consciente do peso do legado que carrega. Gunn não tenta reinventar o personagem completamente, mas atualizá-lo para uma geração que precisa de símbolos de bondade, otimismo e ação ética. Nesse mundo pós-verdade saturado de anti-heróis, sarcasmo e narrativas cínicas, o retorno de um herói gentil, esperançoso e idealista é, paradoxalmente, um ato de ousadia. Ao resgatar a visão da Era de Prata do personagem sem ser infantilóide, por não abrir mão da maturidade emocional ganha nos quadrinhos pós-Crise, o filme propõe que ainda é possível acreditar em heróis com coração puro e isso talvez seja seu maior mérito.

Apesar de não ser uma obra-prima cinematográfica como o clássico de 1978, o novo filme será, para toda uma nova geração de fãs, o super-herói definitivo que povoará seus sonhos e anseios por toda a vida. Em algum lugar, um garoto de quatro anos verá em Corenswet um ideal de verdade, justiça, bondade e empatia, da mesma forma que Reeve foi nos anos 70 e 80.

- Fabio Marques, 9 de julho de 2025

quarta-feira, junho 04, 2025

Quando os Intocáveis viram Código: Uma trilha de luz e sombras


Quando os Intocáveis viram Código: Uma trilha de luz e sombras

Nos anos 80, quando a infância ainda era um território indecifrável, eu tinha uma relação quase obsessiva com o cinema. Era um ritual de luz e sombra que me marcava, rever filmes que falavam de mundos sombrios, onde o mal e o bem dançavam um tango silencioso. Filmes como Guerra nas Estrelas, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Caçadores da Arca Perdida, Carrie: A Estranha e Scarface eram meus companheiros fiéis, personagens que, no escuro da sala, ganhavam vida como fantasmas do meu imaginário.

Brian De Palma, com suas imagens afiadas como navalha, foi o segundo nome que aprendi a associar ao poder do cinema, logo depois de Spielberg, aquele mago das telas. Foi com ele que me perdi e me encontrei no cinema de gangsteres. Em uma tarde qualquer de férias, fui ao cinema ver Quando as Metralhadoras Cospem..., um pastiche de Alan Parker com a jovem Jodie Foster. Aquele filme, uma brincadeira séria com o universo dos mafiosos, me fez mergulhar ainda mais fundo nesse labirinto de metralhadoras, intrigas e violência. Jodie ainda se tornaria um fetiche recorrente desse cinéfilo.

Na televisão, vi os gigantes: O Poderoso Chefão, de Coppola, e Era uma Vez na América, de Leone, com aquelas trilhas sonoras marcantes de Nino Rota e Ennio Morricone, que parecia empurrar o tempo para frente e para trás, entre a glória e a ruína.

Eu gravava esses filmes em VHS, fita após fita, revendo-os como se neles buscasse uma resposta para algo que nem sabia formular. Numa quinta, 26 de abril de 1990, que a memória me marcou de vez. Na sessão especial a TV Globo exibiu Intocáveis, o filme de De Palma sobre Eliot Ness e Al Capone, o duelo imortal entre o bem e o mal na Chicago da Lei Seca. Ali, com quinze anos, senti o peso daquela luta, a trilha sonora grandiosa, que lembrava uma ópera urbana em camera lenta em cenas minuciosamente coreografadas. me fez entender que a batalha era mais profunda do que tiros e metralhadoras. Era uma questão de princípios, de justiça, uma disputa que atravessava décadas.

No ano seguinte, no último ano do colegial, a professora Dalila de Inglês nos desafiou a escrever e atuar numa peça de teatro. Eu e alguns colegas criamos Os Tocáveis, uma comédia pastelão, uma paródia mafiosa onde os mafiosos brigavam pelo controle da venda proibida de Baré Cola, refrigerante emblemático dos anos 80. Vestimos sobretudos, chapéus e metralhadoras de brinquedo, encenamos um banho de “sangue” tão engraçado quanto violento, uma mistura dos estilos de Alan Parker e De Palma. Era o humor numa versão gangster, o tom leve que contrabalançava as trevas que tanto admirávamos.

Pouco mais tarde, na universidade, De Palma perderia espaço para Scorsese, que entrou no meu mundo com Os Bons Companheiros e Cassino, mostrando o lado humano e brutal dos mafiosos. Taxi Driver: Motorista de Táxi, virou um dos meus filmes favoritos, Jodie Foster, com a infância destruída, ali novamente.

Depois de me formar em Ciências da Computação, a vida me levou para outro tipo de luta, a do código, da lógica, da urna eletrônica. Comecei a trabalhar no software da urna para o Tribunal Superior Eleitoral, em 1996, na Unisys, e depois na Procomp, em 1998 e 2000. A Procomp, brasileira, foi comprada em 1999 pela americana Diebold, gigante da área de segurança bancária, e numa palestra corporativa ouvi, de novo, os nomes de Eliot Ness e Al Capone.

Ness, descobri, fizera parte do conselho de diretores da Diebold nos anos 40 e 50, logo depois que deixou a Receita Federal. A lembrança do filme Intocáveis voltou, clara, nítida, com aquele duelo eterno entre o certo e o errado. Como se o projeto da urna eletrônica fosse uma continuação daquela guerra, entre o bem e o mal, a ordem e o caos, a justiça e a corrupção. Depois da missão cumprida no projeto do Voto Eletrônico, fui para indústria de Telecom, deixei um pouco do dia a dia de códigos de programação, mas me mantive próximo ao desenvolvimento de software como líder de equipes e gerente de projeto. Percebi em mim o tipo de liderança que Ness exercia naquele grupo de policiais.

Anos depois, numa viagem a São Francisco, visitei a Ilha de Alcatraz, o cárcere onde Capone foi preso por sonegação fiscal, o palácio de pedra onde a lei mostrava sua face impiedosa. Mais alguns anos, na Filadélfia, pisei no Eastern State Penitentiary, o presídio onde ele cumpriu pena por porte ilegal de armas, um lugar frio e silencioso que parecia carregar a sombra do próprio Capone.

E assim, a história que começou nos filmes, nas fitas VHS, nos teatros improvisados, atravessou minha vida, numa trilha de sombras e luzes, de mafiosos e heróis, onde a luta entre o bem e o mal nunca termina, e onde cada projeto que desenvolvo, cada missão de cumpro, de certa forma, um golpe nessa batalha sem fim.


quarta-feira, abril 16, 2025

Tintin, Super-Homem, Malan, Armínio Fraga, e eu

 

Tintin, Super-Homem, Malan,
Armínio Fraga, e eu

Em 14 de julho de 2000, eu me encontrava preso no Aeroporto de Brasília, aguardando um vôo atrasado para Congonhas. E como em toda sexta-feira está tudo mundo tentando deixar Planalto Central.

Para passar o tempo, estava imerso no arco do Super-Homem "Emperor Joker", de Joe Kelly e Jeph Loeb, lendo na versão original em inglês, como sempre fiz, para apreciar totalmente as nuances da narrativa dos quadrinhos americanos.

Um homem de terno preto se senta ao meu lado e, ao notar o gibi, puxa conversa. Perguntou por que eu estava lendo em inglês. Expliquei minha preferência por consumir quadrinhos em seu idioma original, a fim de captar o tom autêntico e a escrita dos autores.

Foi só então que percebi que estava conversando com Arminio Fraga, então presidente do Banco Central do Brasil.

Ele comentou que eu parecia muito jovem para o ambiente político de Brasília e perguntou o que eu fazia por ali. Contei que era engenheiro de software de São Paulo e que estava trabalhando no projeto da urna eletrônica brasileira.

Ele me parabenizou pela importância e pelo sucesso do projeto. Também mencionou que seu colega, Pedro Malan, então ministro da Fazenda, era fã dos quadrinhos de Tintin, do belga Hergé, e lia as aventuras em francês. Fraga disse que Malan iria gostar do fato de que um fã do Homem de Aço estava contribuindo para uma iniciativa democrática tão relevante. Perguntei o que o "patrão" deles e professor de sociologia, FHC, diria sobre isso. Rimos juntos.

Pouco depois, um grupo de repórteres de TV o cercou, encerrando nossa conversa. Fraga se levantou, se despediu com um “tchau” e partiu. Mas o encontro, claro, deixou uma impressão duradoura em mim.

Pulo rápido para julho de 2001, eis que o próprio Malan em entrevista no "Programa do Jô", não apenas confirmando ser fã de Tintim, mas também dizendo que aprendeu francês lendo justamente esses quadrinhos na juventude. Chegou a brincar que venderia sua coleção, desde que fosse pago em francos franceses! Moeda que já não existia.

Quadrinhos não são apenas entretenimento. São janelas para o idioma, para a história e até a diplomacia. E, às vezes, são o elo que conecta duas pessoas de terno num aeroporto. Foi um momento surreal em que cultura pop, tecnologia, serviço público se cruzaram da forma mais inesperada possível.

quarta-feira, abril 09, 2025

Sete Homens e Um Destino (1960), ou por que eu sempre quis ser CARECA

Sete Homens e Um Destino (1960) ou
por que eu sempre quis ser CARECA

Uma das minhas primeiras lições sobre liderança veio do faroeste clássico Sete Homens e um Destino (1960) de John Sturges, remake da obra-prima japonesa de Akira Kurosawa, divergindo pouco do original japonês. Aos 9 anos quando fui apresentado a esse maravilhoso Bangue-Bangue americano, queria ser Yul Brynner, pela roupa preta, pela careca reluzente, pelo charme e pela calma ao enfrentar todos os problemas. Demorei para entender por que gostava tanto daquela pessoa. Não apenas o ator, nem a interpretação, era a persona, era o líder. Fiquei careca, aprendi ser como o cowboy Chris Adams, descobri que minha atração era por que me via naquele líder relutante, gosto de pensar, humildemente, que me tornei alguém como Chris Adams.

Mais tarde já adulto, quando vi o original Os Sete Samurais de Kurosawa, ficou claro que Yul Brynner se inspirou profundamente no samurai Kambei Shimada, interpretado por Takashi Shimura no clássico japonês Os Sete Samurais (1954), ao compor seu icônico Chris Adams em Sete Homens e um Destino (1960).

Ambos os personagens compartilham uma liderança serena, digna e carismática, guiada por princípios éticos sólidos e um profundo senso de responsabilidade. Kambei, assim como Chris, é um guerreiro experiente que assume, relutantemente, o papel de líder não por vaidade, mas por compaixão e convicção moral. Forçado pela responsabilidade e pelo senso de urgência que o cenário lhe obriga. Quando Kambei raspa seu cabelo no começo do filme, ele se torna o líder que salvará a vila de fazendeiros. Sei muito bem o que é isso, aprendi na pele essa lição. Entendo profundamente por que monges raspam suas cabeças, os melhores líderes nunca buscam o poder, eles viram líderes quando é necessário e apenas quando é necessário liderar, quando concordam na visão moral de futuro. Muitos líderes somem no por-do-sol, quando um projeto acaba ou quando a empresa é reorganizada por uma diretoria que busca apenas o lucro.

Chris e Kambei inspiram seus companheiros pelo exemplo, não pela força, nem pelo cargo ou posição, eles enxergam o combate como um dever em defesa dos indefesos, e não como glória pessoal, mas pelo certo, pelo correto, pela vocação. A atuação de Brynner captura esse mesmo espírito de honra, autocontrole e sabedoria, traduzindo o arquétipo do samurai para o contexto do faroeste com impressionante fidelidade e respeito.

A interpretação de Chris Adams por Yul Brynner no filme é uma aula de liderança que transcende o faroeste e se transforma em um arquétipo de liderança eficaz, inspiradora e atemporal, especialmente aplicável ao mundo corporativo, mas pouco visto. Chris é aquele que compreende a dimensão do desafio quando outros não conseguem. Enquanto os moradores enxergam apenas sua fragilidade e a maioria dos pistoleiros só vê a falta de dinheiro, Chris enxerga propósito. Ele entende a importância de defender os indefesos, não por lucro, mas por dignidade e sentido, uma causa maior que inspira lealdade.

No mundo dos negócios? Ele seria o tipo de líder que alinha a equipe com um propósito maior do que metas trimestrais, fazendo as pessoas sentirem que seu trabalho tem valor real. No mundo corporativo de hoje, ele seria o gestor que forma equipes com base em caráter e potencial, empodera seus colaboradores e conquista lealdade com integridade.

Chris não recruta qualquer um, ele escolhe as pessoas certas pelos motivos certos. Ele enxerga potencial no jovem inexperiente Chico (Horst Buchholz), reconhece a dignidade ferida de Vin (Steve McQueen) e respeita a profundidade silenciosa do veterano Britt (James Coburn). Ele não microgerencia. Ele confia na equipe, e em troca, eles o seguem não por dinheiro, mas porque acreditam nele.

Yul Brynner interpreta Chris com um carisma magnético, estóico e digno. Ele nunca precisa gritar para impor autoridade, ele conquista pelo exemplo. Em meio ao caos, ele é inabalável. No ambiente corporativo, ele seria o executivo que mantém a calma durante crises, escândalos, dificuldades ou concorrência agressiva, o tipo de líder com as mãos firmes no leme. Ele não é agressivo ou arrogante. Sua linguagem corporal fala mais alto que discursos. Num mundo corporativo cheio de discursos vazios, ele seria aquele chefe raro cuja presença impõe respeito e segurança. Tive poucos chefes assim.

Chris Adams age com honra e empatia. Nunca perde de vista que está protegendo pessoas reais, não apenas “clientes”. Ele dá voz aos moradores. Ele escuta. Ele age quando é necessário, mas respeita a autonomia da comunidade. É o tipo de líder que defenderia os funcionários, enfrentaria injustiças dentro da empresa e recusaria contratos que violam princípios éticos. Ele não fala de valores, ele os vive.

Ele lidera do front, na “produção”. Quando é hora de lutar, Chris não se esconde atrás da equipe, ele assume os riscos junto. No mundo corporativo, é o gestor que não apenas delega, ele bota a mão na massa, e que sabe o que precisa ser feito, orienta seus liderados e assume a responsabilidade quando algo dá errado.

No mundo corporativo seria CEO que salva uma empresa em crise, não com discursos, mas com propósito. O líder de equipe que inspira pela coragem, e não pelo medo. Tão difícil isso. O mentor que ajuda os outros a crescerem, e se afasta quando é hora deles brilharem. Ele é inesquecível. Ele seria seguido, não apenas obedecido, formando cultura, não apenas batendo metas. 

O grande contraste no clássico norte-americano que não se vê tanto no original de Kurosawa é o vilão Calvera, interpretado pelo lendário Eli Wallach, é o antagonista perfeito para destacar o que torna a liderança de Chris Adams tão admirável. Onde Chris lidera com honra, visão e respeito, Calvera representa o outro extremo: um líder carismático, sim, mas profundamente autoritário, cínico e egoísta. Ainda assim, sua liderança tem nuances fascinantes, e ele seria, num contexto corporativo, o tipo de chefe temido, manipulador, mas estrategicamente sagaz. Se vê muitos vários chefes assim.

Calvera é carismático, mas com veneno na língua. Ele ri, ironiza, filosofa, mas tudo com um tom de superioridade cruel. Ele usa o humor para controlar, não para inspirar. Seu carisma é uma arma, não uma ponte. Ele destrói seus liderados.

No mundo corporativo, ele seria o CEO extremamente articulado, que convence investidores e funcionários com discursos brilhantes, mas que, nos bastidores, abusa da confiança, corta custos de forma desumana e pensa apenas em manter o próprio poder.

Ao contrário de Chris, Calvera lidera através da intimidação. Seus homens o seguem porque temem ser deixados para morrer ou punidos, não por respeito ou lealdade verdadeira. Ele mantém sua gangue coesa porque eles precisam dele, não porque acreditam nele. Na empresa, seria o gestor que ameaça empregos, que cria um clima tóxico de competição interna, onde colaboradores têm medo de errar e vivem sob pressão constante.

Calvera é inteligente. Ele entende a lógica da escassez, do medo e da dependência. Ele sabe que pode saquear a vila porque os camponeses não têm como se defender. Mas ele subestima a mudança. Ele não prevê que um grupo de estranhos, liderados por Chris, poderia alterar a dinâmica. Ou seja, ele pensa no agora, não no futuro.

Num ambiente corporativo, ele é aquele líder que corta tudo que é investimento em inovação, foca só nos lucros imediatos, e não percebe que está prestes a ser ultrapassado por um concorrente mais visionário.

Enquanto Chris tem uma causa maior, Calvera só tem a si mesmo. E acabará sozinho. Todos seus “amigos”, “colegas” e liderados o deixam ou o deixarão pois percebem qual tóxico ele é. Quando confrontado, ele tenta justificar suas ações dizendo que “precisa comer também”, mas sua atitude deixa claro: ele não acredita em nada além do próprio poder. Esse é seu único foco. Isso faz dele o tipo de líder sem missão, sem valores, que troca de princípios como quem troca de roupa, desde que continue mandando. Sua missão é a posição de líder e mais nada.

O chefe narcisista que exige lealdade cega e descarta quem o questiona. Sempre preocupado com a aparência, sua e dos outros, o que importa é o externo, não o interno. Ele terá um belo penteado, belas roupas chamativas, diferente do careca vestido simples e eficaz. Líderes como Calvera podem ser carismáticos, mas são manipuladores, que vencem no discurso e perdem na prática. O executivo de curto prazo, obcecado por controle, mas incapaz de prever a queda que está por vir.

Pena que no mundo corporativo existam tantos Calvera. Se houvesse mais líderes como Chris Adams, as empresas não seriam apenas mais eficientes, as pessoas teriam orgulho de fazer parte delas.


domingo, março 30, 2025

An Evening with Superman by Barry Windsor-Smith


"Uma Noite com o Super-Homem"


"An Evening with Superman"
foi uma graphic novel proposta pelo legendário artista e escritor britânico Barry Windsor-Smith, conhecido por seu trabalho em títulos como Conan, o Bárbaro e Weapon X. Esse projeto ambicioso buscava apresentar uma abordagem única e sofisticada do icônico personagem criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, divergindo das narrativas tradicionais de super-heróis, tendo sido anunciada pela DC Comics em 1998.

Em uma entrevista de 1999 na revista subMedia #1, Windsor-Smith descreveu sua visão para a graphic novel como uma ruptura com os clichês convencionais do gênero. A história romântica se concentraria no primeiro encontro entre o Super-Homem e Lois Lane, destacando suas interações pessoais sem recorrer a elementos típicos como voo, combate ou exposição exagerada.

Seu objetivo era construir uma narrativa centrada em dois indivíduos, explorando seu relacionamento de maneira sutil e profunda. A arte foi concebida para ter um apelo atemporal, misturando influências estéticas típicas de Windsor-Smith, mas ao mesmo tempo mantendo o apelo art-deco futurista introduzidos por Joe Shuster. Lois Lane foi retratada como uma mulher real, de figura esguia e olhar inteligente, enquanto o Homem de Aço seria mostrado com uma qualidade alienígena, rompendo com os clichês já associados ao personagem.


“When Superman first turns up at the Planet building, Lois loses her cool and begins to stammer badly. She’s blushing and is all but speechless. This isn’t humorous, it’s embarrassing and deeply disturbing to her because she hasn’t stammered since she was a kid. This requires insightful writing and real acting in the body language. I can pull this off, I have faith that I can do it. But restricting me to parameters of a Catholic school play is going to kill it dead.” - BWS (1999)

No entanto, o projeto entrou num limbo corporativo e enfrentou atrasos significativos devido a longas negociações contratuais com a DC Comics e seus editores, em especial Paul Levitz. Windsor-Smith relatou que foram necessários sete meses para finalizar o contrato, período no qual seu entusiasmo inicial e energia criativa começaram a se dissipar. Ele expressou frustração com os obstáculos burocráticos, observando que a demora excessiva resultou na perda de ímpeto e inspiração. Apesar de sua disposição para iniciar o trabalho, as negociações prolongadas e as preocupações da editora com sua abordagem ao personagem acabaram paralisando o projeto.


“Here’s an example. This is Lois’s work area. She’s got these Victorian drapes hanging there, and all these sort of old fashioned frames, and yet all the framed headlines on the wall behind her are modern. All the books are heavily bound. She’s modern looking. It’s all variable. It’s meant to engender and create its own time. It’s similar to what they did in the first Batman movie, y’know, Anton Furst and Tim Burton. Now for my tastes that was a bit overdone, but it did have character and had a point to make. It’s characterization. And of course the DC editors have already started complaining.” 
- BWS (1999)

Ao fim, "An Evening with Superman" nunca foi publicado, permanecendo inacabado e inédito. Embora Windsor-Smith tenha produzido e posteriormente descartado versões iniciais da história, alegando insatisfação com seu tom convencional de quadrinhos, a graphic novel nunca se concretizou. Esse caso exemplifica os desafios enfrentados por artistas ao lidar com projetos criativos envolvendo personagens icônicos e licenciados, especialmente ao tentar apresentá-los sob uma nova e inovadora perspectiva.


“It’s Perry and one of his failings, but he’s still a good man. He says to Lois ‘A guy just flies up to your 30-story window like that. Phew!’ Lois says ‘I was stammering, Perry. I lost it.’ ‘You want a shot? Calm the nerves?’ ‘No, I’m falling apart. I need to talk to you straight, Perry.’ It’s a good scene. It shows their mutual compassion. All in one panel. But, no. I can’t do it.” - BWS (1999)

O título já está no limbo há quase 30 anos e continuará assim. Em 10 de junho de 2023, foi anunciado pelo agente do artista que Barry Windsor-Smith estava se recuperando de um derrame isquêmico sofrido cinco dias antes do seu aniversário de 73 anos em 20 de maio de 2023.

Super-Homem de Barry Windsor-Smith

Lois Lane e Super-Homem de Barry Windsor-Smith



Super-Homem de Barry Windsor-Smith