sexta-feira, julho 12, 2013


Um Super-Homem para uma Nova Geração

O Homem de Aço é o filme do Super-Homem que o grande público estava pedindo desde o fim da franquia com o ator Christopher Reeve. Durante os últimos 26 anos, o público pediu por um filme como esse. E o novo filme de Zack Snyder tem tudo que o público contemporâneo esperava de um filme de super-heróis: efeitos visuais de última geração, ação inquietante, um roteiro provocador, controverso e realista. Mas apesar de tudo isso, o filme não empolga como poderia.

A produção do diretor Zack Snyder e do produtor Christopher Nolan não diverte e não é alegre. A história apresentada no filme narra os acontecimentos que formam o pequeno Kal-El no super-herói que todos conhecemos, mas é uma história de sofrimento, de alienação e de escolhas difíceis. No roteiro criado David S. Goyer não há alegria em ser o maior super-herói de todos.

Da mesma forma que Batman Begins, a primeira incursão de Nolan no mundo dos quadrinhos, “Superman Begins” mostra a origem do personagem e passa literalmente o filme inteiro explicando as motivações que levaram o pequeno sobrevivente do planeta Krypton a decidir ser um herói. E que decisão difícil é essa! Vemos também a difícil decisão de Jor-El e Lara ao enviar o pequeno Kal-El para a Terra. A conflituosa relação entre o menino Clark Kent e seu pai adotivo Jonathan Kent. A vida sofrida que o jovem adulto Clark Kent decide ter para tentar se descobrir. Como na Jornada do Herói desenvolvida pelo antropólogo americano Joseph Campbell em 1949, Clark não aceita quem ele é e recusa, num primeiro momento, o chamado para a aventura que sua origem sobrenatural o qualifica. Assim cabe a ele se descobrir e procurar um novo mentor após a perda do seu pai adotivo.

Goyer, Nolan e Snyder fazem um excelente trabalho nos primeiros dois terços do filme ao criar uma história de ficção científica quase perfeita ao expor o público o eterno debate psicológico entre o inato e o adquirido. Somos frutos da nossa genética ou da nossa formação? O Super-Homem é Kal-El? O sobrevivente alienígena, filho do maior cientista de Krypton? Ou ele é Clark Kent? O filho de um simples fazendeiro do Kansas? Nesse filme essa difícil decisão cabe ao herói, ele acaba por escolher quem ele é.
Toda essa estruturação da vida do herói não é nem original e nem incomum para a mitologia do Super-Homem, apesar do roteiro de David S. Goyer tomar diversas liberdades com os mitos sagrados do Super-personagem, a grande maioria dessas liberdades são claramente baseadas em HQs, filmes e seriados que povoam os mais de 75 anos do personagem. Na realidade, apesar de parecer diferente e inovador, não existe muita novidade nos elementos construtivos da história. As diferenças dessa versão do Super-Homem estão mais no tom e no clima do mundo apresentado ao público do que nos fatos apresentados. Da mesma forma que foi feito em Batman Begins, Nolan e Goyer beberam diretamente de diversas fontes dos quadrinhos pra criar a trama do filme. E não necessariamente os melhores quadrinhos do personagem e com certeza não as melhores partes dos quadrinhos escolhidos.

Em O Homem de Aço, trechos completos de diálogos e cenas visuais foram adaptados das minisséries Grandes Astros Superman, de Grant Morrison e Frank Quietly, e de Superman: O Legados das Estrelas, de Mark Waid e Leinil Yu Francis. Mas a maior influência foi a fase escrita e desenhada por John Byrne entre 1987 e 1989, em especial a minissérie O Homem de Aço e o arco conhecido como A Saga da Super-Moça apresentado em Superman #21-22 e Adventures of Superman #444. Durante sua passagem nas revistas do Super-Homem, o britânico Byrne “marvelizou” o personagem criado por Siegel e Shuster, humanizando-o e dando explicações científicas para seus poderes e suas motivações. Para muitos fãs antigos do personagem, Byrne tirou a grandeza única e heróica do personagem, deixando-o comum e enfraquecido. Alguns críticos do novo filme, disseram o mesmo sobre as decisões que o herói faz na trama.
Talvez uma forma de qualificar esse novo filme, seja fazer a mesma coisa que fizeram com a produção dirigida por Bryan Singer em 2006: Superman, O Retorno. Foi dito que Singer fez uma grande homenagem ao filme original dirigido por Richard Donner, e que o herói interpretado por Brandon Routh não batia em ninguém no filme e que ele não dava um único soco. Realmente, de várias formas, Superman, O Retorno e O Homem de Aço são dois filmes diametralmente diferentes. Enquanto o filme de Singer peca pelo excesso de emoção, o filme de Snyder peca pela falta de emoção, em nenhum momento no grande clímax que se apresenta no terço final do filme, seu herói mostra um único ato de compaixão, o que se apresenta é um personagem frio e sem a menor humanidade.

Enquanto o roteiro de Michael Dougherty e Dan Harris exagera na originalidade em mostrar um kryptoniano tentando ter uma vida normal e simples de pai e marido ao tentar resgatar seu relacionamento complicado com Lois Lane, o roteiro de Goyer mostra o que todo filme de super-herói sempre apresenta: sua origem, seu conflito interior e um final de violência e destruição. Ao final de Superman, O Retorno é fácil ver pessoas comovidas e genuinamente emocionadas quando o herói abre seu coração para seu filho. Em O Homem de Aço, o final é tão controverso que muita gente sai chocada com toda a brutalidade apresentada. Mas existem similaridades entre os dois filmes, ambos tentam traçar um paralelo entre o super-herói e o mito de Jesus. Singer conta o Segundo Advento de Cristo, Snyder repete os evangelos e mostra a origem do salvador e o início de seu ministério. Enquanto as referências religiosas em O Retorno são sutis, em Homem de Aço, elas são descaradas, o filme chega a dizer que o Super-Homem tem 33 anos, por exemplo. Mesmo nessa similaridade de referência, há diferenças de tom e clima. Se o filme original de Donner se parece com O Evangelo Segundo São Mateus de Pasolini, por sua verosimilidade, o filme de Singer é quase blasfemo como A Última Tentação de Cristo de Scorsese, ao mostrar Lois Lane como mãe de uma criança ilegítima. E seguindo dessa forma o filme de Snyder é a versão ultra-violenta similar A Paixão de Cristo de Gibson.

Apesar de não ser um filme perfeito do Super-Homem, o novo longa é uma boa introdução ao personagem para a audiência atual dos cinemas, O Homem de Aço, como Batman Begins, apresenta um jovem personagem aprendendo a ser um super-herói, toda uma nova geração de fãs irá conhecer o personagem dessa forma. Essa uma das características mais marcantes do personagem. Em seus 75 anos, ele sempre foi muito flexível ao ser adaptado ao zeitgeist e as novas mídias. Sempre foi capaz de aglutinar mudanças apresentadas fora dos quadrinhos. A sua versão original criada nos anos 30, o Super-Homem não voava, não trabalhava no Planeta Diário, não tinha kryptonita como sua maior fraqueza, seu chefe não era Perry White e Jimmy Olsen não existia, todos esses elementos vieram na série de rádio, a primeira adaptação do personagem fora dos quadrinhos. Por exemplo, foi apenas no filme de 1978 que o emblema de seu peito teve origem em Krypton, até então nos quadrinhos era apenas a letra “S”. Dessa forma, em breve teremos elementos do novo filme sendo adaptados de volta para os quadrinhos, como por exemplo o fato de Lois Lane ser a primeira a descobrir sua identidade secreta antes mesmo que ela exista, ou o fato novo de Perry White ser um afro-americano, que alias já aconteceu nos quadrinhos desenhados por Art Baltazar quando do anúncio de Lawrence Fishburne no papel antes mesmo do filme chegar as telas. E realmente há novidades suficientes para reformular o Super-Homem mais uma vez para toda uma nova geração.

Tecnicamente o filme é deslumbrante, os efeitos visuais são de primeira linha, a fotografia fria e azulada traz um clima realista desde Krypton até a destruição de Metropolis. A trilha sonora quase militarista do alemão Hans Zimmer foge da gloriosa melodia wagneriana de John Williams, criando algo totalmente novo e diferente. No elenco um time de primeira linha em volta de um novato no papel principal. Temos o vencedor do Oscar Russell Crowe como Jor-El, o pai kryptoniano do herói. Já como seu pai adotivo temos o também o vencedor do Oscar Kevin Costner. Para o importante papel de Lois Lane, a indicada quatro vezes para o Oscar, Amy Adams. Como principal antagonista, Michael Shannon, também já indicado ao Oscar fazendo o General Zod. Perry White é interpretado pelo indicado ao Oscar, Lawrence Fishburne, e Diane Lane, mais uma indicada ao Oscar, encarna a mãe adotiva Martha Kent.

Essa fórmula de colocar um elenco premiado em volta do principiante Henry Cavill é a mesma feita pelos Salkind na produção do primeiro longa com Christopher Reeve. Na época, tanto a crítica como o público ficaram confusos ao ver Marlon Brando e Gene Hackman encabeçando o elenco, enquanto o ator desconhecido era o protagonista. A idéia dos Salkind era dar credibilidade ao projeto, pois nos anos 70 um filme baseado numa história em quadrinhos não era uma coisa levada a sério. Christopher Nolan e Zack Snyder, mesmo já sendo famosos por filmes baseados em quadrinhos, resolveram ter certeza que não seria por falta de um bom elenco que o filme fracassaria. E fizeram bem.

Russell Crowe parece se divertir muito como o grande mentor intelectual do filme e do personagem principal, traz bastante de sua persona Gladiador para o papel de Jor-El. O roteiro inova ao colocar nas mãos de Ayelet Zurer, a versão mais completa de Lara de todas as versões do Super-Homem, dentro e fora dos quadrinhos, e a aclamada atriz israelita não decepciona e aproveita a oportunidade magnificamente no pouco tempo de tela que tem. Kevin Costner, é o coração do filme, ele é a âncora emocional do público e cabe a ele construir o desenvolvimento do pequeno Clark Kent no protótipo de herói que o filme apresenta. A sempre bela Diane Lane faz uma Martha mais jovem que suas pares anteriores, mas consegue ser a rede de segurança que o complexo Kal/Clark precisa ter para crescer. Na vida adulta essa figura amorosa será substituída por Lois Lane.

Amy Adams é definitivamente a melhor Lois Lane já apresentada num longa-metragem de cinema. Superior em profundidade dramática a Phillys Coates, Margot Kidder e Kate Bosworth, Adams acrescenta à sempre forte personalidade da personagem mais uma faceta, uma ternura graciosa quase angelical. Essa Lois é tenaz e carreirista, como todas as anteriores, capaz de enfrentar grandes riscos para conseguir suas incríveis materias jornalísticas que a aclamaram com um Pullitzer, mas sabe claramente a diferença entre certo e o errado, sabe instintivamente que a vida privada das pessoas vale mais do que um furo de reportagem.

Já o novato Henry Cavill, apesar de não ter todo o charme emprestado de Cary Grant que Christoper Reeve mostrou na sua passagem como o Super-Homem, também não é o herói extremamente emotivo que Brandon Routh e esteticamente intocável mostrado no filme de 2006. Seu sotaque britânico não atrapalha, sua forma física impecável dão credibilidade ao poder de um Homem de Aço. Cavill faz um personagem sofrido, humano e por vezes falho na sua nova tarefa de herói, que teve que lutar muito pra se encontrar e que terá que continuar lutando para provar à humanidade que ele é de confiança e pode ser o maior herói de todos.

Fabio Marques, 12/07/2013.

3 comentários:

HORDACALHORDA disse...

Boa crítica. Devo assistir ao filme esta semana.

Unknown disse...

Gostei da crítica, assisti ontem o filme e gostei muito. Deixaram bem claro que o Super-Homem é um alienígena, algo que não lembro de ter visto, e todo aquele clima de ficção científica e invasão que já vimos em outros filmes.
A parte que a Martha Kent salva as fotografias do pequeno Clark e não se importa com a casa destruída foi emocionante também.
Fiquei confuso com o que ele fez no final, mas é compreensivo pelo que o Snyder disse a respeito. O sucesso de bilheteria é animador e temos tudo para ter uma franquia marcante do personagem, como há tempos se espera.

Rena disse...

Bela crítica.

Realmente a figura de Jor-El, Lois, Martha e Jonathan foram bem marcantes.

Quanto aos protagonistas Kal-El e Zod, não comprometeram e ficaram bem atuais pra conquistar o público jovem.

Realmente o filme é m pouco triste e senti falta daquele fato do Superman já ser conhecido em Metropolis, já tendo atuado como herói misterioso, antes da chegada de Zod, porém, dentro da proposta do filme, foi interessante ver a população mundial saber que "não estão sozinhos", com a descoberta de alienígenas, sendo aquele de azul um herói amigo.

Acredito que vá render bons frutos e teremos uma sequência de novas aventuras na saga.

É difícil pra um ator, qualquer que seja, superar o carisma de Reeve, mas acredito que a nova produção tem identidade própria, não se preocupando com o passado, mas olhando pra frente, buscando convencer os fãs mais velhos e conquistar os jovens.