quarta-feira, abril 16, 2025

Tintin, Super-Homem, Malan, Armínio Fraga, e eu

 

Tintin, Super-Homem, Malan,
Armínio Fraga, e eu

Em 14 de julho de 2000, eu me encontrava preso no Aeroporto de Brasília, aguardando um vôo atrasado para Congonhas. E como em toda sexta-feira está tudo mundo tentando deixar Planalto Central.

Para passar o tempo, estava imerso no arco do Super-Homem "Emperor Joker", de Joe Kelly e Jeph Loeb, lendo na versão original em inglês, como sempre fiz, para apreciar totalmente as nuances da narrativa dos quadrinhos americanos.

Um homem de terno preto se senta ao meu lado e, ao notar o gibi, puxa conversa. Perguntou por que eu estava lendo em inglês. Expliquei minha preferência por consumir quadrinhos em seu idioma original, a fim de captar o tom autêntico e a escrita dos autores.

Foi só então que percebi que estava conversando com Arminio Fraga, então presidente do Banco Central do Brasil.

Ele comentou que eu parecia muito jovem para o ambiente político de Brasília e perguntou o que eu fazia por ali. Contei que era engenheiro de software de São Paulo e que estava trabalhando no projeto da urna eletrônica brasileira.

Ele me parabenizou pela importância e pelo sucesso do projeto. Também mencionou que seu colega, Pedro Malan, então ministro da Fazenda, era fã dos quadrinhos de Tintin, do belga Hergé, e lia as aventuras em francês. Fraga disse que Malan iria gostar do fato de que um fã do Homem de Aço estava contribuindo para uma iniciativa democrática tão relevante. Perguntei o que o "patrão" deles e professor de sociologia, FHC, diria sobre isso. Rimos juntos.

Pouco depois, um grupo de repórteres de TV o cercou, encerrando nossa conversa. Fraga se levantou, se despediu com um “tchau” e partiu. Mas o encontro, claro, deixou uma impressão duradoura em mim.

Pulo rápido para julho de 2001, eis que o próprio Malan em entrevista no "Programa do Jô", não apenas confirmando ser fã de Tintim, mas também dizendo que aprendeu francês lendo justamente esses quadrinhos na juventude. Chegou a brincar que venderia sua coleção, desde que fosse pago em francos franceses! Moeda que já não existia.

Quadrinhos não são apenas entretenimento. São janelas para o idioma, para a história e até a diplomacia. E, às vezes, são o elo que conecta duas pessoas de terno num aeroporto. Foi um momento surreal em que cultura pop, tecnologia, serviço público se cruzaram da forma mais inesperada possível.

quarta-feira, abril 09, 2025

Sete Homens e Um Destino (1960), ou por que eu sempre quis ser CARECA

Sete Homens e Um Destino (1960) ou
por que eu sempre quis ser CARECA

Uma das minhas primeiras lições sobre liderança veio do faroeste clássico Sete Homens e um Destino (1960) de John Sturges, remake da obra-prima japonesa de Akira Kurosawa, divergindo pouco do original japonês. Aos 9 anos quando fui apresentado a esse maravilhoso Bangue-Bangue americano, queria ser Yul Brynner, pela roupa preta, pela careca reluzente, pelo charme e pela calma ao enfrentar todos os problemas. Demorei para entender por que gostava tanto daquela pessoa. Não apenas o ator, nem a interpretação, era a persona, era o líder. Fiquei careca, aprendi ser como o cowboy Chris Adams, descobri que minha atração era por que me via naquele líder relutante, gosto de pensar, humildemente, que me tornei alguém como Chris Adams.

Mais tarde já adulto, quando vi o original Os Sete Samurais de Kurosawa, ficou claro que Yul Brynner se inspirou profundamente no samurai Kambei Shimada, interpretado por Takashi Shimura no clássico japonês Os Sete Samurais (1954), ao compor seu icônico Chris Adams em Sete Homens e um Destino (1960).

Ambos os personagens compartilham uma liderança serena, digna e carismática, guiada por princípios éticos sólidos e um profundo senso de responsabilidade. Kambei, assim como Chris, é um guerreiro experiente que assume, relutantemente, o papel de líder não por vaidade, mas por compaixão e convicção moral. Forçado pela responsabilidade e pelo senso de urgência que o cenário lhe obriga. Quando Kambei raspa seu cabelo no começo do filme, ele se torna o líder que salvará a vila de fazendeiros. Sei muito bem o que é isso, aprendi na pele essa lição. Entendo profundamente por que monges raspam suas cabeças, os melhores líderes nunca buscam o poder, eles viram líderes quando é necessário e apenas quando é necessário liderar, quando concordam na visão moral de futuro. Muitos líderes somem no por-do-sol, quando um projeto acaba ou quando a empresa é reorganizada por uma diretoria que busca apenas o lucro.

Chris e Kambei inspiram seus companheiros pelo exemplo, não pela força, nem pelo cargo ou posição, eles enxergam o combate como um dever em defesa dos indefesos, e não como glória pessoal, mas pelo certo, pelo correto, pela vocação. A atuação de Brynner captura esse mesmo espírito de honra, autocontrole e sabedoria, traduzindo o arquétipo do samurai para o contexto do faroeste com impressionante fidelidade e respeito.

A interpretação de Chris Adams por Yul Brynner no filme é uma aula de liderança que transcende o faroeste e se transforma em um arquétipo de liderança eficaz, inspiradora e atemporal, especialmente aplicável ao mundo corporativo, mas pouco visto. Chris é aquele que compreende a dimensão do desafio quando outros não conseguem. Enquanto os moradores enxergam apenas sua fragilidade e a maioria dos pistoleiros só vê a falta de dinheiro, Chris enxerga propósito. Ele entende a importância de defender os indefesos, não por lucro, mas por dignidade e sentido, uma causa maior que inspira lealdade.

No mundo dos negócios? Ele seria o tipo de líder que alinha a equipe com um propósito maior do que metas trimestrais, fazendo as pessoas sentirem que seu trabalho tem valor real. No mundo corporativo de hoje, ele seria o gestor que forma equipes com base em caráter e potencial, empodera seus colaboradores e conquista lealdade com integridade.

Chris não recruta qualquer um, ele escolhe as pessoas certas pelos motivos certos. Ele enxerga potencial no jovem inexperiente Chico (Horst Buchholz), reconhece a dignidade ferida de Vin (Steve McQueen) e respeita a profundidade silenciosa do veterano Britt (James Coburn). Ele não microgerencia. Ele confia na equipe, e em troca, eles o seguem não por dinheiro, mas porque acreditam nele.

Yul Brynner interpreta Chris com um carisma magnético, estóico e digno. Ele nunca precisa gritar para impor autoridade, ele conquista pelo exemplo. Em meio ao caos, ele é inabalável. No ambiente corporativo, ele seria o executivo que mantém a calma durante crises, escândalos, dificuldades ou concorrência agressiva, o tipo de líder com as mãos firmes no leme. Ele não é agressivo ou arrogante. Sua linguagem corporal fala mais alto que discursos. Num mundo corporativo cheio de discursos vazios, ele seria aquele chefe raro cuja presença impõe respeito e segurança. Tive poucos chefes assim.

Chris Adams age com honra e empatia. Nunca perde de vista que está protegendo pessoas reais, não apenas “clientes”. Ele dá voz aos moradores. Ele escuta. Ele age quando é necessário, mas respeita a autonomia da comunidade. É o tipo de líder que defenderia os funcionários, enfrentaria injustiças dentro da empresa e recusaria contratos que violam princípios éticos. Ele não fala de valores, ele os vive.

Ele lidera do front, na “produção”. Quando é hora de lutar, Chris não se esconde atrás da equipe, ele assume os riscos junto. No mundo corporativo, é o gestor que não apenas delega, ele bota a mão na massa, e que sabe o que precisa ser feito, orienta seus liderados e assume a responsabilidade quando algo dá errado.

No mundo corporativo seria CEO que salva uma empresa em crise, não com discursos, mas com propósito. O líder de equipe que inspira pela coragem, e não pelo medo. Tão difícil isso. O mentor que ajuda os outros a crescerem, e se afasta quando é hora deles brilharem. Ele é inesquecível. Ele seria seguido, não apenas obedecido, formando cultura, não apenas batendo metas. 

O grande contraste no clássico norte-americano que não se vê tanto no original de Kurosawa é o vilão Calvera, interpretado pelo lendário Eli Wallach, é o antagonista perfeito para destacar o que torna a liderança de Chris Adams tão admirável. Onde Chris lidera com honra, visão e respeito, Calvera representa o outro extremo: um líder carismático, sim, mas profundamente autoritário, cínico e egoísta. Ainda assim, sua liderança tem nuances fascinantes, e ele seria, num contexto corporativo, o tipo de chefe temido, manipulador, mas estrategicamente sagaz. Se vê muitos vários chefes assim.

Calvera é carismático, mas com veneno na língua. Ele ri, ironiza, filosofa, mas tudo com um tom de superioridade cruel. Ele usa o humor para controlar, não para inspirar. Seu carisma é uma arma, não uma ponte. Ele destrói seus liderados.

No mundo corporativo, ele seria o CEO extremamente articulado, que convence investidores e funcionários com discursos brilhantes, mas que, nos bastidores, abusa da confiança, corta custos de forma desumana e pensa apenas em manter o próprio poder.

Ao contrário de Chris, Calvera lidera através da intimidação. Seus homens o seguem porque temem ser deixados para morrer ou punidos, não por respeito ou lealdade verdadeira. Ele mantém sua gangue coesa porque eles precisam dele, não porque acreditam nele. Na empresa, seria o gestor que ameaça empregos, que cria um clima tóxico de competição interna, onde colaboradores têm medo de errar e vivem sob pressão constante.

Calvera é inteligente. Ele entende a lógica da escassez, do medo e da dependência. Ele sabe que pode saquear a vila porque os camponeses não têm como se defender. Mas ele subestima a mudança. Ele não prevê que um grupo de estranhos, liderados por Chris, poderia alterar a dinâmica. Ou seja, ele pensa no agora, não no futuro.

Num ambiente corporativo, ele é aquele líder que corta tudo que é investimento em inovação, foca só nos lucros imediatos, e não percebe que está prestes a ser ultrapassado por um concorrente mais visionário.

Enquanto Chris tem uma causa maior, Calvera só tem a si mesmo. E acabará sozinho. Todos seus “amigos”, “colegas” e liderados o deixam ou o deixarão pois percebem qual tóxico ele é. Quando confrontado, ele tenta justificar suas ações dizendo que “precisa comer também”, mas sua atitude deixa claro: ele não acredita em nada além do próprio poder. Esse é seu único foco. Isso faz dele o tipo de líder sem missão, sem valores, que troca de princípios como quem troca de roupa, desde que continue mandando. Sua missão é a posição de líder e mais nada.

O chefe narcisista que exige lealdade cega e descarta quem o questiona. Sempre preocupado com a aparência, sua e dos outros, o que importa é o externo, não o interno. Ele terá um belo penteado, belas roupas chamativas, diferente do careca vestido simples e eficaz. Líderes como Calvera podem ser carismáticos, mas são manipuladores, que vencem no discurso e perdem na prática. O executivo de curto prazo, obcecado por controle, mas incapaz de prever a queda que está por vir.

Pena que no mundo corporativo existam tantos Calvera. Se houvesse mais líderes como Chris Adams, as empresas não seriam apenas mais eficientes, as pessoas teriam orgulho de fazer parte delas.