sábado, dezembro 28, 2024

Dr. Wertham contra o Super-Homem


Dr. Wertham contra o Super-Homem
por Fabio Marques

O infâme Dr. Fredric Wertham foi um psiquiatra preocupado com o que ele via como a decadência moral da juventude americana nos anos 40 e 50. Ele se tornou um dos críticos mais proeminentes dos quadrinhos no meio do século XX. Em seu livro de 1954, Sedução do Inocente, Wertham acusou os quadrinhos de promover delinquência juvenil, comportamento violento e desvios sexuais. Entre seus alvos estava o Super-Homem, da DC Comics, um personagem criado, ironicamente, para representar esperança, justiça e integridade moral.

Wertham afirmava que as habilidades sobre-humanas e a justiça vigilante do Super-Homem incentivavam as crianças a rejeitar a autoridade e adotar comportamentos imprudentes. Ele argumentava que a capacidade de Superman de desafiar leis convencionais poderia inspirar os jovens leitores a agir fora das normas sociais. Em uma passagem particularmente infame, Wertham sugeriu que os feitos de força de Superman poderiam incitar fantasias de poder entre os jovens impressionáveis, levando-os a um caminho de ilegalidade.

Fredric Wertham fez comparações extremamente controversas entre o Homem de Aço, criado pelos judeus Jerry Siegel e Joe Shuster, e ideologias opressivas, incluindo o nazismo, as S.S. e a supremacia branca, em suas críticas aos quadrinhos. Ele alegava que o Super-Homem representava uma figura autoritária que promovia a idéia de uma "raça superior" devido às suas habilidades sobre-humanas e invulnerabilidade, interpretando o personagem como um reflexo de ideais elitistas e antidemocráticos.

Wertham chegou a afirmar que o emblema do "S" no peito do personagem evocava uma conexão simbólica com as temidas S.S. nazistas, e que as narrativas envolvendo o herói derrotando inimigos mais fracos reforçavam mensagens de dominação racial e cultural. Essas interpretações, no entanto, ignoravam completamente as raízes do personagem como um defensor da justiça social, criado por dois jovens judeus, Jerry Siegel e Joe Shuster, que criaram o Super-Homem como uma resposta às ameaças fascistas da época e como um símbolo de esperança e igualdade.

As alegações de Wertham não se limitavam ao Super-Homem; ele condenava todos os quadrinhos de super-heróis, sugerindo que glorificavam a violência e minavam os valores tradicionais. Ele argumentava que a representação de heróis maiores que a vida, lutando contra vilões, poderia dessensibilizar as crianças para as consequências do mundo real, fomentando um apetite por agressão.

Joe Shuster, co-criador do Superman ao lado do roteirista Jerry Siegel, enfrentou sua própria dose de controvérsia nos anos pós-guerra. No final da década de 1940 e início da década de 1950, Shuster já não estava mais associado aos quadrinhos do Super-Homem devido a disputas com a DC Comics sobre direitos e compensação. Cego dos dois olhos e lutando financeiramente, Shuster recorreu a outras formas de ilustração para sobreviver. Entre seus trabalhos menos conhecidos estava a série de quadrinhos fetichistas Nights of Horror, uma coleção de ilustrações underground que retratavam temas de bondage e sadomasoquismo.

Embora Nights of Horror fosse obscuro, e o envolvimento de Shuster desconhecido do público pois ele colaborou anonimamente, a série foi considerada pornográfica e foi alvo de intenso escrutínio durante o julgamento dos Brooklyn Thrill Killers, uma gangue de adolescentes que, em 1954, cometeu uma série de crimes violentos, incluindo assassinato, em Nova York. O líder da gangue, Jack Koslow, afirmou que Nights of Horror havia influenciado seu comportamento, provocando indignação generalizada. O julgamento sensacionalista e a cobertura da mídia ligaram as ilustrações aos atos brutais da gangue, alimentando ainda mais os argumentos de Wertham sobre os perigos dos quadrinhos e do conteúdo lascivo.

Embora a conexão de Shuster com Nights of Horror fosse tangencial aos crimes, Wertham e seus aliados exploraram o caso para argumentar que os quadrinhos e a mídia relacionada corrompiam as mentes jovens. A ligação era, no mínimo, tênue; os crimes dos Brooklyn Thrill Killers estavam enraizados em questões sociais e psicológicas mais profundas, em vez da influência de material underground de nicho. No entanto, o incidente deu mais força à campanha de Wertham.

A campanha implacável de Wertham, amplificada pela indignação pública e pela cobertura sensacionalista da mídia, levou a audiências no Senado sobre delinquência juvenil e quadrinhos em 1954. Temendo a intervenção do governo, os editores estabeleceram o Comics Code Authority, um órgão autorregulador que impôs diretrizes rigorosas ao conteúdo dos quadrinhos. O Super-Homem e outros heróis, que já eram símbolos de moralidade, foram ainda mais higienizados para se alinharem aos novos padrões. O outrora vibrante meio dos quadrinhos entrou em um período de estagnação criativa, com os editores evitando qualquer conteúdo que pudesse atrair controvérsia.

Shuster, por sua vez, mergulhou ainda mais no obscurantismo. A mancha de sua ligação com Nights of Horror nunca foi conhecida naquela época, embora seu trabalho em Super-Homem tenha ganhado novo reconhecimento nas décadas seguintes.

Com o passar do tempo, os argumentos de Fredric Wertham foram amplamente desacreditados. Seus métodos de pesquisa revelaram-se profundamente falhos, baseados em evidências anedóticas, dados seletivos e conclusões sensacionalistas. Estudos posteriores não encontraram nenhuma ligação definitiva entre os quadrinhos e a delinquência juvenil, destacando, em vez disso, que tal comportamento geralmente derivava de fatores econômicos, familiares e sociais.

A cruzada de Wertham contra os quadrinhos pode ter nascido de uma preocupação genuína com a juventude, mas foi, em última análise, equivocada e prejudicial. Wertham não era apenas um psiquiatra com preocupações sobre a juventude, ele também demonstrava uma clara ambição de se tornar uma figura pública influente. Sua cruzada contra os quadrinhos, especialmente a publicação de Sedução do Inocente em 1954, foi estrategicamente projetada para atrair atenção nacional e consolidar sua reputação como um defensor da moralidade. Ele frequentemente fazia declarações sensacionalistas e usava argumentos chocantes para capturar o interesse da mídia e do público. Numa época marcada pelo McCarthismo e a caça as bruxas na política americana, Wertham aproveitou o crescente pânico moral da época para se colocar no centro das discussões sobre delinquência juvenil, testemunhando em audiências no Senado e aparecendo em jornais e revistas de grande circulação. Embora suas intenções possam ter sido parcialmente altruístas, o desejo de notoriedade permeava suas ações, e sua abordagem muitas vezes exagerada e desonesta sugere que ele estava tão interessado em promover sua própria fama quanto em proteger a juventude.

O Super-Homem, longe de ser uma influência corruptora, perdurou como um ícone global de virtude e inspiração. O personagem serviu como modelo para gerações, demonstrando os valores de compaixão, coragem e justiça. Da mesma forma, os crimes hediondos dos Brooklyn Thrill Killers não podem ser atribuídos de forma justa a Nights of Horror ou a qualquer outra forma de mídia; a conexão foi um bode expiatório conveniente, e não uma causa substancial.

Sua vilificação do Super-Homem e da indústria de quadrinhos sufocou a criatividade e deturpou o potencial do meio como uma força para o bem. Hoje, o Homem de Aço permanece como um testemunho do poder duradouro da narrativa e da resiliência de criadores como Jerry Siegel e Joe Shuster, cuja visão continua a inspirar o mundo.

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